Improvisos

Ele esperava por ela no meio da multidão, perdido em seus pensamentos e em meio às mãos geladas que se esfregavam sem parar na busca incansável de disfarçar o nervosismo. Ele era só tentativa, pois era visível os movimentos inquietos, os olhos aflitos, seu andar em círculos e coração acelerado. Ela está atrasada. - pensou ele depois de olhar o relógio e constatar que passava um minuto do horário marcado. Tempo que não passa.

Quando enfim conseguiu colocar sua atenção em uma criança que passava com a mãe fazendo gracinhas e sorrindo pra qualquer canto, assim, pra tentar esquecer que o tempo não colaborava com sua ansiedade, percebeu lá do fundo que ela havia chegado. Todos os sintomas voltaram de uma vez e o frio na barriga tomou conta do corpo inteiro, e ele queria se disfarçar de puro galanteador, ou de homem decidido e confiante, ou de homem descompromissado com o mundo, ou de menino medroso que queria sair correndo pro colo da mãe por não saber o que fazer. Na verdade, desejo do seu coração era não demonstrar que havia se rendido por completo por aquele sorriso que caminhava em sua direção. Covarde, você é.

Ela chega toda cheia das notas mais bonitas, com os sorrisos mais sinceros, a voz mais doce e o cheiro mais delicado, fazendo com que ele esquecesse de todos os teatros, antes ensaiados pra fazer bonito pra platéia. Só queria impressionar mostrando ser o mais intelectual, mais sensato, mais comedido e acabou decidindo pela cena mais fácil, sem ensaios, puro improviso.

Puro improviso também era o dia que acabava de começar. Nada do planejado deu certo, e as músicas que tocaram inesperadamente foram muito melhores do que as que estavam programadas. Mal sabia ele que coração dela sentia o mesmo pulsar e cantava as mesmas notas. Ansiedade pura por encontrar aquele sorriso e aqueles olhos que se pronunciavam mudos, sem ajuda das palavras. Não precisavam ganhar embaraços ou perder sorrisos mais. O dia se fazia perfeito, com céu azul e muita flor desabrochando. Esqueceram da platéia e fizeram as cenas mais bonitas, os cantos mais delicados e os sorrisos mais sinceros. Um pro outro. E se entregaram as amenidades que compartilharam entre palavras soltas e gestos presos. Renderam-se aos cheiros misturados e viveram um dia leve sem dar espaços pra razão.

Teatro se fez mágico e o show que deram foi o mais bonito. Sem personagens vazios que ficam espalhados pela platéia e que são incapazes de perceber a música leve que se faz naquele palco, incapazes de ao menos, desejar viver algo parecido. É que covardia desse público, às vezes, decepciona. Mas depois de teatro carregado de ingenuidade entregue e de horas encenando um começo quase inenarrável, o que resta é a volta pra casa regada de suspiros e cenas repetidas lá no coração, que não quer mais parar de gravar todos os momentos só pra vivê-los sempre que quiser, lá dentro. E nessa volta, a busca pelo reencontro. A espera pelas novas cenas e pelos novos sorrisos.

As felicidades dos inícios de romances se fazem assim. Pela alegria desmedida com sorriso conquistado, pelas mãos que se tocam sem querer, pelo aperto no coração de ouvir a voz, pelo aperto maior de não ouvir e ficar na espera do seu som. Teatro mágico, quando tocado e dirigido pelo coração. Assim, se faz o enredo mais bonito.

Risos que se foram.

Que permanecem.

E espero que voltem.

Olho pela porta entreaberta.

Quero a fusão de volta.

Adentrando em cada poro meu.

Sem lágrimas de culpa.

Sem choro (in)contido.

Eu arrisquei.

E arriscaria de novo.

(Tamires Lima)

Glau Ribeiro
Enviado por Glau Ribeiro em 24/07/2009
Código do texto: T1717634
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