BAIRRO DE LATA

No fim de um estreito carreiro desembarca um mundo perdido.

Uma floresta de tábuas eriçadas que se espreguiçam na miséria, dão abrigo aos homens mudos de sonhos.

A arquitectura desordenada dos telhados de zinco merenda a madeira nua que treme de podridão. Em cima deles um sem número de inutilidades; pneus, tijolos e lixo reciclado pelas mentes que necessitam de guardar alguma coisa para enganar a desilusão.

Não se ouvem pássaros, apenas gritos e rumores das mulheres que dissecam cada pormenor da vida alheia. Estas não usam cremes, os seus cheiros são meteorológicos, pois o pouco dinheiro que lhes resta serve para saciar a fomeà realidade.

As crianças correm, são “livres”, embora habituadas a sentir o álcool enfurecer as mãos dos pais sem razão plausível. Joga-se à bola, ao berlinde e às escondidas. Realizam-se os jogos olímpicos várias vezes por mês, com prémios de cortiça e taças feitas com garrafas de

óleo, cabos de vassoura e pratas retiradas dos maços de tabaco já consumidos.

Os homens embriagam os dias de esquecimento, os filhos engarrafam a

infância na revolta.

Aqui abrem-se as portas à memória.

O tempo acende o sono dos sorrisos e a cada dia que passa nascem ilhas.

Texto do livro "O áspero hálito do amanhã"

Alberto Pereira
Enviado por Alberto Pereira em 22/07/2009
Código do texto: T1712944
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.