Interminável
É preciso ouvir essa voz de estrada na noite interminável, é preciso riscar no mapa as cidades visitadas, sitiadas, muralhas, teu corpo sombreado é preciso, uma rosa no vento, o rosto no vento, entre os dedos o vento é preciso, olhar em volta, dar voltas e voltas na chave morta essa porta que olha as paredes são verdes águas que choram óleos, lavandas, serenata em teus olhos pelas varandas me olham, me molham doces chuvas de um mar azul que arrasta lembranças...
É preciso a ave menina, asa escarlate que bate tão tarde, é preciso dormir e acordar e dormir e sonhar é preciso, amar o amor que há na poeira, na terra, no grão, no pote esquecido no armário vazio o amor gratidão é preciso, deixar o coração bater um sim outro não, outrossim, senão, senão, senão...
Essa alma vazia, vestido sem corpo, perfume solto no ar tão solto sem pouso, é preciso pousar, repousar no teu colo e esperar que passe essa angústia seca, esse quase delírio...
A noite foge, atravessa desertos com véus de névoas, veludos, brumas, canções fugidias são vozes distantes partindo em luas, a lua se parte em outras luas que caem estilhaços de noite sobre meu corpo cansado de estrada, essa voz em fuga na corda curva presa num galho que balança na madrugada...
é preciso a madrugada palavra lenta
é preciso essa lenta madrugada
a palavra que tenta...
é preciso um balanço, um pêndulo, um giro pião
é preciso ilusão espelhos d’água no asfalto
marcas na palma das mãos
no rosto essas linhas de expressão...