ABANDONO

No silencio recolhido daquela sala abandonada, rondavam lembranças dubias, imprecisas. Perfumes apagados impregnavam o ambiente estatico que se estabilizou no passado. Falta ha muito indicio de vida, de rítmo, nessa sala que se perdeu em dolorosa abstração. A poeira desceu véus escuros sobre as janelas cerradas; as rosas azues das paredes delidas, empalideceram, fustigadas pelo andar apressado e incontido do tempo. Os ponteiros prateados do relogio, envergaram um manto de ferrugem, que desfigura. Faltou a mão amiga que diariamente lhes dava forças para marcarem horas inesqueciveis ou maguadas...e eles pararam, fecharam-se numa mudez fria que o tormenta; marcam, talvez, indefinidamente, a hora em que a sala enclausurou-se no passado, vivendo eternamente aquele tempo.

O raio de luz que ecôa pelo vão da janela, vai se refletir no oval puro do espelho de cristal, ornado de bordaduras tecidas pela arte eterea e complicada das fiandeiras do aranhol.

Sobre as poltronas, livros entreabertos, nas jarras lindas e custosas, as flores resequidas pendem, envergonhadas dessa velhice que não finda e cada vez mais enrugam.

No pequeno cravo antigo e esquecido, está aberta uma partitura. Lembra a cadencia acariciante de sonoridades que se perderam no espaço, recorda o ritmo garrulo de um minuete ou a suavidade de uma balada...

Ha em tudo a impressão de anseios irrealizados, vibrações de momentos arrebatadores e fugaces, envolvendo esse ambiente de encanto e misterio.

A sala quieta recorda...a sala quieta medita e sonha...

É assim que ela vive, pois a vida é sonho, o sonho é esperança, a esperança é energia, e a energia é a propria vida...