Vestígios
Limpo as gavetas, abro caixas e mais caixas com memórias de não sei quantos anos, observo, leio papéis, amasso-os e os jogo no lixo... Mas as marcas ficam. Por mais que eu me liberte de todo este entulho, fico engasgado, soluçando e me perguntando o porquê.
Cada papel esconde um pouco do que aconteceu, do modo que éramos e um pouco do que sou, eu diria. E assim, fica difícil jogar fora, fica complicado remexer, sem mexer um pouco com a essência do que restou.
Então, acumulo, vou guardando em novas caixas que compro, uma mais bonita que a outra, com desenhos novos, decorativas, para quê? Somente para esquecer que dentro delas tem você, tem a nossa história que, quem sabe, um dia, alguém irá ler...
Vestígios, lembranças de um tempo que não volta, de quando eu era feliz e do tudo que fomos, nem metade do que sou, talvez um terço, um nada.
Escuto a música, sinto calor, sinto frio, viajo até São Tomé e nem todas as letras conseguem definir o que sinto: “oh, Terra, onde é que estou? Fechado nesta nave errante...”
Texto publicado no livro Viver: um jogo perigoso, de Márcio Martelli, Editora In House (2009).