Vivo ou Um grito mudo
Estive pensando no quadro de Edvard Munch, “O grito” e é exatamente assim que me sinto: gritando. Mas um grito que não emite som; é mudo! Ou as pessoas é que estão surdas?
Acredito que falta decência, que, se a humanidade fosse inteligente, saberia o tempo certo para tudo acontecer. Olho a televisão e vejo guerra, converso com amigos e descubro que fulano levou um tiro ao sair do restaurante, recebo a notícia de que uma pessoa “amiga” resolveu, sem mais nem menos, inventar fatos que não aconteceram.
Mania de perseguição? Não, eu não acho que tenho essa mania, aliás, eu gostaria mesmo era de ficar quieto no meu canto, fazendo o meu trabalho e vivendo a vida sossegadamente.
Mas parece que a vida não me quer assim...
Então eu olho o quadro de Munch e berro bem alto:
- Me deixa em paaaaaaaazzzzzzzzzzzzz!!!!!!!!!
E o mundo ri, ri, ri, ri de mim, como quem diz não ser possível tal fato.
Enclausuro-me, viro um caramujo dentro de sua casca, um molusco e vou viver dentro do mais profundo oceano, sozinho e supostamente feliz.
Não quero os holofotes, não quero a notícia, quero ser o testamento vivo de minha época sem ter de me preocupar com nada, apenas viver o que tiver de viver.
Sem medo, sem mágoa, sem culpa, sem erro.
Um grito mudo, eu diria, um grito que ninguém quer ou deseja escutar.
Um grito só meu e para mim mesmo.
Por isso eu grito, repito-me.
E, só assim, consigo me entender.
Texto publicado no livro Viver: um jogo perigoso, de Márcio Martelli, Editora In House (2009)