Um gosto de sangue
Ah! minha irmã, a saudade não cabe mais nesta folha de papel. Ela já transbordou, foi além do oceano e não tem mais por onde ir.
Eu? Eu choro, apenas choro e tento não ligar para os homens que, a cada dia que passa, tornam-se intoleráveis.
Sim, eu sei que não cabe a mim julgar nada, mas o fato é que as flechas estão no ar e acabo sendo atingido.
Então, fecho-me em minha clausura. Como diz Joyce “dizer que estou solta na minha prisão”, e num ato de desespero, choro um rio de dores.
Se sou triste? Eu não sei dizer se sou ou não. Sei que sou feliz por muitas e muitas vezes, que o sol sempre me aquece, mas, por alguns momentos, o frio faz moradia em meu coração.
Eu não queria ser daqui, não. Eu queria era estar no meu verdadeiro mundo, mas eu me perdi. Acabei aqui, com tanta saudade, mas com tanta saudade que o universo tornou-se pequeno para mim.
Sabe, irmã, eu tenho medo dos homens. Eles são capazes de cometerem atos que sequer passam por minha cabeça.
Ta bom, eu confesso... passam sim, mas eu jamais os cometeria. E os homens os cometem. Pergunto o porquê e nenhuma, mas nenhuma resposta me chega.
O que me resta apenas é rezar.
Rezar e olhar para dentro. Imaginar um amor tão grande que envolva a tudo e todos, até os “inimigos”, principalmente eles. Fazê-los chorar, eles necessitam. Precisam sentir o gosto da lágrima de uma traição e arrependerem-se.
Será que eles entenderiam? Ou será que tudo já se deturpou de tal modo, que a verdade passou a ser a mentira criada e, dela, já não há mais escapatória e acabo passando por lunático, pois o meu mundo não é o mesmo?
Viu só que confusão!!
Bem fez você ao ir-se. Só que eu fiquei. Com o coração na boca, com os olhos marejados, com uma vontade louca de viver e uma alma despedaçada de tanta saudade.
Conto publicado no livro Viver: um jogo perigoso, de Márcio Martelli, Editora In House (2009)