O Poeta
Dizem por aí que o poeta está cansado
Outros dizem que não
Ele está apenas assustado
Esse cara está ficando é desesperado
Está perdendo a inspiração
Pro seu poema cantado
Isso tudo, é claro, é apenas boato
Por enquanto não há motivo
Pra ficar alarmado
Amanhã ele estará no portão daquela escola
Tocando Ave Maria
Ao som da sua viola
Pelo menos era tudo o que eu queria
O sol nasceu diferente
Sobre o Rio de Janeiro
Infelizmente o boato é verdadeiro
O poeta hoje chora ajoelhado sobre o Arpoador
Braços abertos como Cristo, nosso redentor
Desabafando, pedindo perdão
A Gabriel, pensa a dor
Como está a educação
Nossa situação
O poeta está perdendo toda a emoção
Corroendo e desfazendo sua criação
Está vendendo seu trabalho lá no calçadão
Bons tempos aqueles
Em oitenta e tal
Quando mergulhar na poesia
Já era normal
Vivia na calçada
Recebendo caridade
Descrevia em seus textos
A beleza da cidade
Tijuca, Ipanema, Copacabana
Parece cena de cinema
Quanto gente bacana
Mas o poeta reparava
O paraíso suburbano
Até Beethoven escutava
As notas do piano
Saía com os amigos
E os rabos-de-saia
Dançava nas festas
Ao som do Tim Maia
Ah como era bom, ele era assim
Cantava sempre no Tom
Para alegrar o Jobim
O poeta era homem
De paz e amor
O poeta não estudava
Para ser doutor
Mas o poeta foi perdendo
Todo seu louvor
Quando a paz carioca se transformou
Na dor
Corrupção, violência, confusão e desemprego
Até o meu santo está pedindo arrego
Coitado do poeta
Queria ele ter poder
Pra construir um novo amanhecer
"A situação está apertando
O que devo fazer?
Já estou desanimando
Vou parar de escrever"
A galera lá no morro
Continua sambando
Mas o poeta ainda está triste
E continua chorando
Com tanta coisa acontecendo
Para que ser percebido?
Seu peito está doendo
Até mesmo na Lagoa
Seu cenário favorito
Cuidado, meu Brasil
Você está mudando
Estão te fazendo de imbecil
E ainda tem gente votando
Enquanto tem safado por baixo do pano
O poeta vai chorando, chorando, chorando
É melhor parar, não posso reclamar
Senão daqui a pouco
Também vou chorar
É a nossa cidade
Pra todos os efeitos
Também tem qualidade
Não são só defeitos
É o Rio de Janeiro, sabe como é
Nosso pôr-do-sol é aplaudido de pé
Sentindo a areia quente
Na beira da praia
Pode vir com a gente
Que ainda tem gandaia
E se ainda pintar aquele sufoco
Não precisa se extressar
Toma uma água de coco
E o pobre do poeta
Qual será seu fim?
A magia aqui do Rio não termina assim
O poeta está saindo
E já tem outro chegando
Mas que bom que nosso herói
Não está mais chorando
O poeta foi embora
Começou vida nova
Agora espera que o outro já vem
Já está dentro do trem
Muito prazer, Leandro Freire
Sou poeta também