NÃO PELA MANHÃ
Por mim mesmo, já descobri a impossibilidade
De amar o mundo pela manhã, ao despertar.
Não nesta cidade de São Paulo, depois de uma noite
Tão cansativa e inútil de resultados compensadores
Para um coração que busca, mais que tudo, se amar.
Mas quem pode pensar em amor, acordado desse jeito,
Pelas buzinas intermitentes de automóveis,
Dirigidos por pessoas que talvez estejam tão amargas
Na boca e no conjunto das suas funções psíquicas,
Quanto eu estou neste momento, por não ter encontrado
Uma resposta satisfatória para uma pergunta importuna:
Para que tudo isso?
Sim. Esse sujeito enfezado buzinando seu automóvel
Deve estar tão descontinuado de si mesmo como eu.
Eu, que hoje fui privado das minhas propriedades simbióticas,
Pela necessidade imperiosa de ganhar a vida
Numa cidade onde todas as ações precisam ser comutativas,
Mas que acabam sendo tão irreversivelmente desintegrantes,
Que depois de realizadas trazem aquele sentimento fatal
Que desemboca na pergunta irremediavel:
Para que tudo isso?
A minha vantagem sobre esse motorista enfezado
É o gosto que eu tenho pela metafísfica noturna,
Essa prática que nunca resulta em nada,
Mas ajuda a substituir a agressividade cotidiana
Pela inquietude subjetiva das respostas impossíveis.
Não me lembro de ter perguntado aos meus mestres
Se a vida tem mesmo algum sentido.
Nem me arrependo de não tê-lo feito,
Pois duvido que algum deles tivesse qualquer resposta.
E tivessem, de certo eu pensaria:
Para que tudo isso?
Ás vezes me pego fazendo esse tipo de especulação,
Em busca de uma síntese que me tire esse gosto amargo da boca.
E me dê pelo menos a singela esperança
De que, abrindo a janela matinal, eu possa ver um sol,
No céu sem qualquer artifício, me sorrindo naturalmente.
E se isso acontecer, talvez eu possa finalmente descobrir,
Para que, diabos, serve tudo isso.