Voz

Não, ninguém pode calar a Voz. A Voz que canta e dá liberdade. Ninguém pode querer voar se faltam-lhe asas. Não se pode proibir, nem tão pouco enganar-se com a ilusão.

Quando olho para trás vejo minha vida toda sendo montada tal qual um quebra cabeças e, mesmo relutando em algumas partes, completo a cena e me aceito como sempre fui e sempre serei.

“Ninguém pode calar dentro em mim essa chama que não vai cessar; é mais forte que eu...” (Resposta - Maysa)

Por isso acredito nas altas da maré.

Por isso voo sem ter medo de me esborrachar. Eu confio.

Dia desses, assisti a um filme com Shirley MacLayne onde é pedido a ela que fechasse os seus olhos – detalhe: ela estava guiando seu carro – e se deixasse conduzir pela estrada por uma inteligência superior que a levaria até o seu destino. Ela assim o fez. Esta experiência dela ocorreu em Machu Picchu e, segunda a atriz, é real, está em seu livro “Minhas vidas”. Ela acreditou. Confiou.

Quantos de nós sequer acredita no que os próprios olhos enxergam a apenas um palmo da mão?

Pedimos provas. Provas que na minha santa e ingênua ignorância não provam nada. Nada! Queremos atestar o improvável ou queremos ter a certeza plena antes de arriscarmos?

Cá entre nós, prefiro acreditar em duendes e gnomos a perder a minha fé na humanidade. Eu me liberto e através desta liberdade correm soltos todos os sentimentos dúbios do universo.

Se acho justo? Não serei eu o juiz nem mesmo o inquisidor. Já fui, tempos remotos que jamais voltarão – ainda bem! Sou um expectador e faço a minha parte, porém, não lavo as minhas mãos. Deixo que a sujeira se esgote com o passar dos anos. Uma tinta indelével que me absorve e me transporta para “vastas emoções e pensamentos imperfeitos”*. Vãs ideais. Tentativas para melhorar a existência. Raízes varando a terra, fazendo brotar a semente. Esplendor de cores e belezas no florescer do amanhecer. A verdade. A vitória.

E quando me encontro só, choro de felicidade. O mundo não é só feito de tristezas, tem muita cor neste mundo e eu quero dançar sob o arco-íris da igualdade.

*Título de um livro de Rubem Fonseca.

Prosa poética publicada no livro Viver: um jogo perigoso, de Márcio Martelli, Editora In House (2009).