Passagem
Daqui a uma hora faço 41 anos. Na verdade, inicio os meus 42 anos, pois 41 anos eu já vivi intensamente.
O que pensar sobre tudo o que vivi?
Que foi bom? Que valeu? Que faria de novo?
Não, eu não sei realmente o que pensar da vida. Só sei que ela é intensa e, em vários momentos, consome-me tanto que penso que não mais vivo estou.
Agora mesmo ao escrever este texto, senti-me rodando, rodando sem saber ao certo o que iria acontecer.
Em tanto tempo de vida acumulei demais, sofri demais, chorei demais, ri demais, fui feliz demais... Epa! Melhor nunca fizer isso, que felicidade nunca é demais.
Então, eu posso dizer que fui, sou e serei mais feliz ainda porque estou vivo. E estar vivo é muito mais do que simplesmente acordar pela manhã e se levantar da cama.
Estar vivo é comungar. É saber que, embora difícil, a felicidade virá a qualquer momento e que vale a pena lutar por ela. Ela chegará.
E o amor... Ah! o amor sempre chega, às vezes, atrasado, ou senão, antes da hora. Uma coisa que aprendi do amor é que ele não tem pressa.
“Tanto que aprendi de amor na vida e, agora, descobri, que não sei nada mais...”
Bem dizia Fátima Guedes que o amor é um enigma, estamos todos à procura de e do amor. E quantas e tantas vezes ele nos cutuca e nem percebemos?
Já vivi muitos amores e muitas dores. Amar dói, amar corrói. O amor leva tudo e não devolve nada por inteiro. Sempre fica faltando um pedaço. Meu em você. Você em mim.
Mas, aos quarenta, tudo fica mais fácil. O amor é apenas amor e mais nada. Já não se chora, nem se sofre. Isso é privilégio dos mais novos. E é tão bom saber o que se quer. Como é mais fácil!
Uma nova fase começa de novo, mais uma vez o touro que habita em mim rumina nas mesmas teclas. Mas o que fazer se a preguiça é minha marca registrada? Eu não vou é fazer nada!
Vou esperar sentado, ouvindo Mariana Aydar, o relógio bater meia-noite. Vou ficar em silêncio por algum tempo, vou rezar bem baixinho. Vou beijar meu pai e pedir sua bênção. Abraçarei minha irmã bem forte e direi que, embora ainda vivo, jamais a esquecerei. Vou pedir licença a Oxalá, saudar os Orixás e pedir força, trabalho e reconhecimento. Vou pedir honestidade a todos os que me cercam. Vou desejar justiça para todos, mesmo para os injustos. E vou perdoar sempre, vou pedir perdão.
Estabelecerei novas metas, sonhos de consumo e de sucesso. Levarei comigo os meus. Os que amo, os que amarei, os que ainda virão.
Os amigos, sempre do meu lado.
Os inimigos, também. Eles me fortalecem.
Chorarei um pouquinho, como agora. Mas serão lágrimas vivas para lavar a pouca sujeira que restou do ano passado.
Inicio este novo ano, limpo. Por dentro e por fora. E não me pergunte o que farei pela manhã. Se vai ter festa ou se saiu no jornal. Estou feliz, mais uma vez. E por mais que a saudade insista, sorrirei e a caminho do sol seguirei cantando.
“Para onde haja sol. É para lá que eu vou!”
(“O sol”, Jota Quest)
Crônica publicada no livro Viver: um jogo perigoso, de Márcio Martelli, Editora In House (2009)