[Até Amanhã, pelo menos]
Não me pertence dizer se foi fácil ou difícil caminhar, caminhar e chegar ao ponto de sentir esta sensação clara de nada ser, nada saber, e, sobretudo, de não ter rumo — o autojulgamento é um cabotinismo — mas sei que cheguei, e sinto que cheguei atrasado... a este batente duro de fim-de-linha! Vim só, e estou só. Garimpei, garimpei, e tive muita sorte, pois a tempo de não passar por tolo, eu vi nitidamente o que muitos viram antes de mim: vi a comédia da vida — tudo que se busca resulta em nada! — e agora, estou a desfazer-me da tralha... sou o próprio desfazimento!
Penso-me, isto é, penso o meu ser, como um espectro volátil, prestes a cessar de ser — o que sou, ou aquilo em que me tornei, parece ter escapado de alguma caverna, resvalando por brechas estreitas, e só agora, sereno e meditativo, perscruta distâncias. Assim, por uma espécie de tropismo sobre qual mais medito e menos compreendo, eu busquei luz — com alguma filosofia e reflexão, construí esta minha mente [vaidosa], livre de dogmas, de cadeias de religião, de crença na eternidade — livre, sim, livre apenas para sofrer o profundo mistério de existir!
Descrer, duvidar é a minha profissão. Mas até amanhã, pelo menos, eu creio no Amor. Depois, não sei... quem sabe se haverá amanhã?!
[Penas do Desterro, 29 de junho de 2009]