Retrato de uma noite de domingo

Dedicado a Mônica Gropelo e Rita de Cássia Silva

Ouço, no tempo, as vozes de meus amigos. Ao longe, eles me chamam pelo mesmo nome de sempre e me conhecem como sou e não como aparento ser. Eu fico a olhar seus rostos perdidos nas brumas dos anos e sorrio, tento abraçá-los e tê-los junto a mim, mas qual! as brumas embaçam minha visão e uma neblina gélida toma conta de mim.

Ando tão sozinho pela minha estrada! Nos meus sonhos, vejo quem já se foi e batemos longos papos, porém, quando acordo, somente a minha companhia é presença certa que me acompanha e não tenho vontade de ir a um cinema, um show... Eu que sempre soube tudo antes de todos... Hoje, leio a notícia nas páginas do site que é, antes de tudo, meu amigo e companheiro.

Estava agora há pouco lendo o email de uma amiga antiga, pensei no quanto nossos caminhos se bifurcaram e, também, pensei nas vezes em que nos reencontramos e, por incrível que pareça, o brilho ainda continuava lá, as lembranças, os amigos em comum.

Escrevi a ela uma resposta falando dos velhos tempos, não falei sobre as rugas que o tempo plantou em nossa face, nem das experiências acumuladas, nem das viagens, nem de nada... só falei da saudade que tinha dela: de quando ela gravava suas fitas em casa, de como ela abria a geladeira quando tinha fome e comia as frutas que estavam por lá, falei da simplicidade destas coisas que nunca, ninguém dá a mínima, parecem tão banais, tão bobas... e elas são importantes demais... são elas que ficaram na nossa memória e são o fator determinante dessa nostalgia.

Também disse a ela sobre uma outra amiga que há tempos não vejo. Éramos tão unidos, como ríamos juntos, como nos divertíamos. Ah!... como a juventude é uma coisa linda, não é mesmo? E nem nos damos conta de quando ela se vai, apenas nos descobrimos velhos... e saudosos.

Por isso, ouço no tempo suas vozes, vejo nas brumas seus rostos.

Aceno. É só isso que posso fazer hoje, acenar.

Procurar. É só isso que posso fazer hoje com quem ainda está vivo, procurar.

Chorar. É só isso que posso fazer pelos que se foram, chorar.

E viver. É somente isso que posso fazer por mim mesmo e por todos aqueles que gostam de mim, desse jeito mesmo, saudoso, teimoso, careta, velho... e cheio de esperança de que, um dia, tudo isso irá mudar e verei os rostos frente a frente, face to face.

E iremos rir sem parar de tudo de novo...

Faremos as mesmas coisas... tudo de novo...

E nunca mais estaremos sós, nunca mais seremos nós mesmos...

Publicado no livro Viver: um jogo perigoso, de Márcio Martelli,

Editora In House (2009)