DESABAFO DE UMA SENHORA DO LAR
Você domina minha vida para, orgulhoso, sufocar suas frustrações. O que eu podia, já lhe concedi: esperanças, forças, dores, lágrimas, temperos, meu corpo inteiro, nossos filhos.
Não há mais nenhum sabor nos restos do meu físico envelhecido. Mas você me mantém presente, como se uma conquista perpétua tatuada em sua vida.
Impede-me de usufruir, de fruir, de fluir, de ser eu (quem sou eu?), enquanto debruça suas ânsias animais no corpo fresco e macio de outra.
Não sei falar, não sei pensar; só sei preparar seu jantar, tirar seus sapatos, cuidar dos seus filhos. E por isso, às vezes você me retribui com seu cetro de macho embedido em odor de álcool.
E me contamina com as moléstias das ruas que me fazem expelir a alma em secreções. Como boa serva, preciso ser solidária.