Risos Macios Das Belezas
Falar para sua alma culta faz com que eu procure o melhor em mim, que a principio parece o mais amargo. Mas sendo sua alma exigente, ela sabe que não há nada de feio, nem amargo, nem assustador.
Assustador... Talvez sim, talvez seja assustador o que tentamos esconder de nossos olhos. Assustador por nos depararmos com uma nudez indesejável. Nossa nudez não é exatamente aquela que se usa para uma obra de arte-arte, não é esteticamente admirável, nem desejável sensualmente. É uma nudez mais grotesca que o esperado, uma nudez nua de curvas e maciezes inexistentes. Na verdade é como uma gengiva desdentada mesmo. Não gostamos desta imagem, ainda mais quando somos ela. Mas sua alma culta entende e vai além, viaja comigo pelas nossas rugas, rusgas e pudores escondidos nas dobras de nossas peles ressequidas.
Não arrasto pessoa alguma para meus mergulhos, mas nunca dispenso uma boa e espontânea companhia, que é o seu caso.
Direi das belezas que tenho encontrado ao acaso, que no meu caso sempre é uma espera. Espero como pescador que observa o tremor, o balanço das suas tralhas na pescaria. Quando me acontece a maravilha de pescar o que me vem segredado, logo que esmiúço todo aquele mistério, devolvo o que me chegou para onde e como veio, intacto. Assim prossigo na minha aventura nem sempre venturosa, mas proveitosa, pelo rio acima, pelo rio abaixo até encontrar os mares.
Descobri sereias e botos nas estradas escaldantes das cidades de pedras por onde ando.
Descobri estátuas e esculturas minuciosas por lagos onde nado. Tudo está lá, basta querer ver, enxergar.
É bom também parar de ficar se preocupando com palavrinhas bonitas, que se usa para fazer uma boa média, e começar a usar aquelas palavras enormes e chulas mesmo, já que da nudez que falo é daquela sem maquiagem.
O que vale é entender o que é belo, não baseado em equações ou regras, mas na realidade. Falando em realidade, beleza só existe nas realidades. Beleza dura, doída, amarga, mas real; humana, vivida e vívida. Beleza resplandecente... Só quem viu sabe a beleza da ferida exposta, pois é diante dela que somos nós mesmos, com nossos ascos, medos, suores e pudores.
Vemos a beleza quando nos superamos, superamos as camadas nas quais nos escondemos para nos acomodar a nos amoldar as regras do bom convívio e mandamos tudo para um lugar que não existe e aí sim, existimos, somos, e aceitamos as nossas chagas.
Estou cansada de pessoas que não olham fotos para não se lembrarem de certas ocasiões. Estou enjoada de pessoas que não falam sobre determinados assuntos para que não se comovam. Estou irritada com pessoas que pensam que podem passar pela vida como entulho. Vejo estas pessoas fingindo preservar aos outros, quando na verdade estão fugindo velozmente de seus pontos de início e fim, e não há nada mais inútil que se possa fazer a si mesmo que isto, ninguém escapa de ser o que é. Se todos aceitassem que apenas são, e são aquela beleza horrorosa que tanto tentam esconder, todos seriamos amados plenamente já que não haveria segredos enjaulados, prontos a arrebentar correntes sem cadeados.
Como somos infelizes, não?
Somos os infelizes que sofremos por sermos os primeiros a não nos aceitarmos, por aceitar padrões nos quais nem acreditamos e nem entendemos. E nos chamamos os racionais, os intelectuais, aqueles prontos a apontar erros e defeitos.
Nós, nós somos a gentinha, nós somos aquela droga que vive apontando para outro lado. Meu bem, somos aquele erro que vimos nos outros, e nem nos demos conta que éramos a exata cópia do que considerávamos inaceitável.
Que pena, mas nunca poderei mentir para você, porque você é inteligente, sagaz, culta e elegante demais para que eu tente contar uma mentira grosseira para você. Eu sei que tenho a capacidade, mas não a vontade de querer me fazer tola para você. Não merecemos mais uma estupidez, esta não, talvez outra, quem sabe um dia.
Hoje, agora, preciso dizer que reconheço em você um equilíbrio. Através de você eu sei quando fui a embalagem e quando fui o presente.
Hoje eu quero mais é dizer que amo toda a sua desgraça e que ela me faz rir. Rir de mim, de você e de todos nós.
Hoje preciso falar das belezas, não é sensacional?