... SARAH

(Da minha obra CHEGA?!.).

SARA, SÓ...

Na praça da pequena cidade, já no avançado da noite chuvosa, caminhava Sara.

Triste e desapontada mulher com o corpo nu, protegido por um manto negro, tinha a expressão avelhantada pela fatal decepção.

Naquela noite, sem princípio e sem fim, Sara explodiu num som rouco toda a força do peito:

— Quero o infinito depois do horizonte.

Abraçando a gigantesca árvore clamou:

— Eu mereço! Eu mereço o infinito depois do horizonte.

Com a voz embargada pelas lágrimas pronunciou:

— Quase fomos idênticas bela árvore!

Frutifiquei como você.

Dei ao mundo frutos férteis e doces.

Amei a natureza e o amor como um cão fiel.

De súbito, fui tomada pela praga da parasita.

Não pude crescer. Fui tolhida.

Ultrajada, mantive o amor bandido.

O amor de uma cobra sagaz.

Não importa! Era o amor na sua essência.

E meus frutos? Onde estarão?

Oh, meu Deus, tende piedade dos meus frutos!

Jogando os olhos molhados para o solo lamentou:

— Firmei minhas raízes na terra fértil.

Os céus deram-me novas forças.

Finalmente!

As parasitas sucumbiram.

Sonhei ser útil e estar crescendo.

Estendi por mais anos e anos.

Apenas os estendi.

Eu queria morrer de velha.

Morrer desfolhada e seca de cansada.

Morrer na dignidade dele:

Do amor.

Para isso fui adubada!

Abrindo a capa negra, Sara expôs o peito ferido lamentando num murmúrio:

— E hoje, quatro de setembro de l996,

de forma insana e brutal,

meus sonhos foram cortados ao meio.

Numa só machadada.

Minhas raízes sangraram.

Vinte e seis anos em comum se desmancharam

no interminável do horizonte.

Eis-me aqui, mãe árvore. Eis-me aqui: de seios

mutilados.

A chuva cessou e aos pés da árvore, ainda com resquícios de vida, Sara dormiu só e sem medo.

Lúcia Borges
Enviado por Lúcia Borges em 21/06/2009
Código do texto: T1660120
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