Os sonhos bons
O tiro certeiro não foi disparado pela arma de fogo , e para dizer a verdade, nem havia munição . Eram projéteis de palavras lançadas ao vento manso por um traiçoeiro , e o vendaval resultado infalível do acerto ao alvo, como convém aos amargos legados, deixou estragos – feridas profundas. A essência de um ser e uma parcela do existencialismo material morto , para na seqüência previsível das biografias, ser muito timidamente ressuscitado na sobrevida metafísica das ralas idéias em movimento.
É provável que na vã e pobre filosofia de um escriba amargurado Heráclito descenderia de seu trono pensador para dizer – “acalma-te, porque tudo é movimento”; e quando o aflito escritor arriscasse buscar murmurado auxílio num altar de orações, ouviria o brado furioso e quase insano de Nietzche:- “Não sejas decadente” ; quando já mergulhado em mar de dúvidas , para delas extrair a salvação clamaria o arrimo de Descartes ... e no fim, por ironia , acabaria isolado na ilha de Morus, fiel súdito do Rei Utopus !
Ah , o escriba e seu drama existencial ! – Sobreviverá ele à tempestade das mazelas humanas ? Ninguém sabe; a verdade é essa ... nunca se saberá, porque o mistério da criação se esconde na desconfiança perpétua . Quem somos - de onde somos ?
E se por parcos instantes, miseráveis fragmentos de luz confiamos dominar o saber , logo somos apunhalados pela traição de princípios – a punhalada esotérica – o falso amigo, o ruir das convicções que nada mais é do que o apagar das luzes dos sonhos bons.