Aeroporto

Um diálogo. Começo a escrever sem tédio, a impaciência leva-me ao fundo do corredor para observar as colinas, leio em folhas azuis o horário dos transportes, sem preocupação do tempo. Ler por ler. Ler palavras. Dialogo. Este diálogo num lugar privilegiado de vozes cruzadas. No PC registo as impressões como um observador exterior. Gosto de ser a minha figura sem mim. Nunca acreditei em nenhuma unidade, coerente ou consistente, nunca acreditei em nenhum eu. Sou adepto da fragmentação, da presença de personagens plurais que se exprimem em línguas diferentes. Começo o diálogo, desdobro-me em mil actores, subimos ao palco e representamos, representamos todas as histórias possíveis. Talvez. Não tenho a certeza, sejamos também o público. Simultaneamente, actores e espectadores. Tenho a certeza. A garantia de termos sempre a sessão esgotada. Nunca falo sozinho, falo para fora com todos os que me envolvem e aparecem e gritam e riem e choram e ficam e desaparecem e regressam e vão e não voltam, falo para me esquecer de todos os outros em mim, me lembrar de todos os outros de mim. Não existe monólogo, existe diálogo. Imagino, imaginem, uma sala de espelhos, paredes de espelhos. Imaginem. Qualquer objecto se projecta até ao infinito, se multiplica indefinidamente. Não sabemos a sua origem, não sabemos o seu fim. Apenas se projecta, se prolonga, apenas existe. Não distinguimos o real e a imagem do real. Um jogo de espelhos, uma realidade espelhar, uma espécie de vácuo, material e imaterial. Sem identidade, sem essência – adoro o que não tem essência -, algo que desliza entre paredes, elas mesmo deslizando por um fundo móvel.

Levanto um braço que se multiplica, pronuncio uma palavra que se arrasta por um eco indeterminado, corro não correndo e o movimento vai e vem em rectas assimptóticas. Questiono, interrogo, respondo, problematizo e todas estas figuras me acompanham, saem do silêncio, estilhaçam como cristais a solidão.

Não calculas o que tenho para dizer ainda.

Ao fundo do corredor, observo as colinas, filtrei o tédio. Viajo entre aeroportos. O que é um aeroporto? Uma ausência, a ausência é o que importa. Um acessório. Um preliminar. Um intervalo. Antes da apoteose, o que mais importa. Viajo entre aeroportos. É indiscutível, “ o caminho é o próprio caminhar”. O meu bilhete tem inscrições vazias.

Apenas estou de passagem.

Vou propor roteiros turísticos originais. Chegadas e partidas de aeroportos. Conhecer o ar, quando muito, conhecer do ar o simulacro de um espaço. Alguém diz, conheço todos os lugares a partir de uma lente que tanto se aproxima como se distancia. Conheço o mundo à superfície, nunca me interessou conhecê-lo em profundidade. Não vale a pena. Não vale a pena conhecer nada – e ninguém – em profundidade. Fico pelo teu rosto, pelas tuas mãos. Repeti seis vezes a palavra “conhecer”, isso assusta-me. Não quero conhecer nada. Sete vezes. Vejo um rosto, todos estes rostos aqui neste aeroporto de que não sei o nome. Tudo isto é suficiente. A beleza da superficialidade. É possível pensar superficialmente. Sentir superficialmente. Por que havemos de querer mais!?

Não calculas o que tenho para dizer ainda.

Estive sempre de passagem.

O próximo diálogo: o tempo não tem presente, passado ou futuro, foi estabelecido desde sempre como um fluxo.

Entrar no silêncio. E as minhas personagens estilhaçam como cristais na solidão.