E o Dia

Demoro-me no dia,

sem nenhuma vocação maior que o instante.

E o dia será o voo das horas, a linha débil nas sombras do vidro. O propósito de viver pela noite dentro sobre as esplanadas do mar.

O que falta é outro dia, uma luz por onde a orla do corpo desenhe o desejo, esse esboço mais real no tampo da mesa que a intenção, o vento se esconde no sul dos ombros.

Se a vontade fosse a geometria do lugar, inventava a ficção perfeita em que se regressa à distância dos olhos, mais longe que a possibilidade de multiplicar as imagens num espelho. Sentados na esplanada pensando o futuro a uma mesa de mármore.

E os navios serão os navios para sempre, a paisagem deslizando as pálpebras, uma sala de janelas abertas ao vácuo do silencio, as mesmas palavras nunca pronunciadas, vagar quando o tempo escorre paralelo às árvores nas traseiras do infinito, ou dos terraços deste bar. Sim, o que falta viver aqui, além da água diluída entre as pedras. Um candeeiro aceso. A vocação maior da pose das horas, certa reflexão de cada ausência ou a memória como um vapor, deambulam os dedos pelos filtros de um instante assim - entre vogais de uma angústia nocturna.

E o dia.

Demoro-me face a face, o corpo e a sua sombra. O teu corpo como o teu olhar, a voz que beijo nos lábios de ti.

E os dias, vividos todos os dias de uma noite.