O tilintar de pequenos gestos
Andava distraído pelas ruas no formigueiro urbano onde haviam vidas espremidas em tão pequeno espaço. Ninguém olhava alguém sem uma pitada de desconfiança e medo. Era comunidade de predadores, um atacava o outro, cada qual na sua individualidade. Introspectivo, caminhava e atravessava aquela assustadora massa de carne e ossos.
Dessa coisa enorme, brotou um pequeno bolo. Começou a tomar forma, odor, cor e voz. Um homem de uns trinta anos, roupas velhas e puídas, o cabelo desarrumado e a barba por fazer. Interpelou-me e fez um pedido a mim:
-Cara! Me arranja dez centavos aí! É pra inteirá um sanduba!
Tudo parou. O mundo passou a ser apenas eu e o desconhecido, cara-a-cara. Um assustado, o outro, cheio de esperança. Dez centavos! Não era sacrifício algum. Para ele, justamente o que necessitava. Mas, fiquei com receio, pois a súplica tinha um sentido de ordem. Este imperativo não se originou só daquele homem, vinha de mim também, sentimento escondido e, sempre que possível, era evitado.
Desviei-me do olhar dele. Antes de sair em disparada, disse depressa:
-Não! Não posso. Não tenho moeda nenhuma aqui!
Havia mentido. Tinha muitas delas na minha bolsa. Medroso e egoísta! Uma pessoa precisava de tão pouco e não atendi ao seu chamado. A situação funcionou como espelho. Na verdade, eu também era um ser carente. Passei a perceber a falta de um simples e bom gesto. O estranho virou irmão.
Continuei o meu caminho com os níqueis emitindo som musical. Percebi as coisas banais que são todo o significado do viver. E poderia as oferecer para quem quisesse. Comecei a ver na multidão pernas, braços, rostos, olhos, e, principalmente, sonhos.