GETÚLIO VARGAS

GETÚLIO VARGAS

Naquele tempo, limiar da minha infância,

havia um bar na esquina da Maranhão,

que também ficava na Quintino Bocaiúva.

Não era o Caçula nem o Abdala.

Esses, eu viria a conhecer depois.

Naquele bar, de pedras brancas de mármore,

de portas extremamente altas,

vendiam-se deliciosos picolés.

Amiúde, tocava-se nele o Brasileirinho,

para encanto do eucalipto do “seo” Mané Fidélis.

Ficava defronte a ele.

Como a árvore gostava de ouvi-lo;

sua grimpa altaneira era incansável dançando-o,

na maestria veloz das notas do cavaquinho.

Os picolés lá fabricados, atiçavam meus desejos;

uma maquininha, porém, impedia-me comprá-los,

supunha meu juízo de criança.

Minha mãe se engabelava com ela;

sua mão rodava e rodava incessante

dando ação à maquininha de costura.

Enquanto uma cantava a outra acompanhava.

Música distante, triste; música de viúva pobre.

As duas cantavam, e ambas ignoravam

o meu choro rogado, cantado, insistente:

– Mãe, me dá um dinheiro!

E não havia no mundo um desejo maior:

-- Mãe, eu quero um picolé!

Picolé de côco do bar não-sei-mais-o-nome,

mas minha mãe não podia dar-me o desejo

e continuava sua cantoria disfarçada

desfazendo a sua dor.

A maquininha ali, indiferente, fria.

Ao lado, eu esperneava por um getulinho:

reles moedinha amarela, de valor insignificante.

Quinhentos réis? Cinqüenta centavos?

Em cuja “cara”, trazia uma bochecha gorda, sorridente,

era Getúlio Vargas, pai dos pobres, pai de todos nós pecadores,

que amanhecia e anoitecia sem ter um pai nos bolsos ou noutro lugar.

Por fim derrotado, me via pela maquininha trocado.

Ante a frustração humilhante da criança,

a revolta impotente da mãe.

desde então as mãos negras, lisas, cicatrizadas,

agora imprimem um ritmo vertiginoso,

Fazendo o metal estremecer:

Tec-tlec,

Tec-tlec,

Tec-tlec...

O saltitar ligeiro da agulha nos pontos

cosiam rapidamente minhas últimas esperanças.

No cômodo, um retrato desolador:

aquele fogão de cinzas frias,

aqueles caibros roliços carunchados,

aquela mesinha de tábuas rústicas e pernas desconjuntadas

aquelas inúteis latas vazias.

Todas aquelas coisas nos olhavam compadecidas.

Com profundo amargor, saía arrastando minha revolta.

– Chorando de mamparra, esse menino!

Ouvi-a dizer; contudo, não via as lágrimas furtivas em seus olhos.

“Seo” Getúlio, como o senhor nos fez falta!

moura vieira
Enviado por moura vieira em 04/06/2009
Reeditado em 09/08/2021
Código do texto: T1632510
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