Passa aqui que amanhã é tarde

Não sei por que razão a minha rua me persegue os calcanhares e me faz calos na memória. A pele da consciência já anda meia enrugada e nem de binóculos entendo o silêncio dos girassóis que, nas esquinas, teimam em virar luas.

Nunca mais me lembrei de fazer a poda das unhas e de pintar de verniz os arranhões que faço nas tuas árvores. Elas têm suado tanto que bebem o luar para que as folhas se vinguem das sombras rasas das minhas raízes.

Tenho o cheiro do vazio no saber, porque escureci nas pedras e não encontro a minha porta, nem os meus ombros.

Podia acender um girassol para iluminar os meus sapatos pendurados no quarto minguante, mas não encontro o interruptor nas cortinas do tempo.

A monotonia do cinza atrapalha-me o indicador direito que já não remexe os macaquinhos do meu sótão, esse desvão desigual dos passos que não dou, não rodam, nem viram.

Andar na minha rua é perder os dias das noites e os meus reencontros são ocasos falhados em contagem crescente.

Não caibo mais em mim de esquecimento…

Entendes? Passa aqui, que amanhã é tarde…