Intervalo
A sala estava absolutamente vazia, ausente de qualquer humano além de uma frágil menina que olhava serenamente através de uma grande janela que dava para a varanda da antiga casa. Sentava-se sobre uma cadeira de balanço de madeira e mexia com os dedinhos nas pontas da cortina que se prendia às beiradas das portas da janela, enquanto sacudia compassadamente os pés que não alcançavam o chão. O sol refletia-se no espelho e dispersava-se o brilho pela sala semi-iluminada. Não havia barulho além do relógio que tocava impiedosamente o correr dos segundos intermináveis.
A menina sentia sutilmente escorrerem seus instantes e sorria sem dor, observando o imenso jardim arborizado ao qual não podia ir. A monotonia daquele vazio não lhe atormentava: achava pois graça na falta de movimento das coisas. O lugar certo de cada objeto, a limpeza excessiva, as regras rígidas, os horários fixos, as atividades rotineiras, tudo lhe havia sido prescrito e devia obedecer submissa, com a complacência de uma dedicada filha de seu espaço-tempo. Aquele era o intervalo, um dos poucos e breves dentro do esquema que lhe arranjaram. Dali a pouco, chegaria com seu violino o professor de piano. Gostava de ouvi-lo fazer com ela duetos, e mesmo de quando bradava descontente por ela ter errado ao piano. Aguardava-o com ardor, o piano e o professor e o violino e a música fundindo-se todos num só.
Enquanto esperava, deixava-se quedar na cadeira de balanço e mirava o jardim, ausente de qualquer dever. Era a hora não preenchida, aquela da lacuna onde podia criar o mundo que desejasse embora não lhe fosse possível destruir o em que estava. E então, brotou do meio das folhas de vivo verde uma enorme e exótica borboleta azulada, de um azul majestoso mais intenso e vibrante que o do céu. A menina estacou na cadeira, fascinada. As frágeis asas batiam e todos julgariam que o animal se ia quebrar, impossível sobreviver à força dos ventos e, entretanto, ela voava com imponência. A borboleta descrevia um caminho desordenado como se não estivesse indo a lugar algum e sim dançando, apenas, como uma artista. Não parecia haver utilidade em sua existência débil e ela preenchia belamente os instantes vazios emudecendo o canto tímido do relógio que se curvava ao encanto da menina.
Não saberia dizer quanto permaneceu assim, acordando, pois, com o som estridente do violino no andar de baixo, chamando-a. Decepcionada pela primeira vez com a chegada do professor, em todos os outros dias tardia e nesse demasiado cedo, demorou-se um pouco mais para descer da cadeira e fechar a cortina, despedindo-se da visão alegre e instantânea. Levantou-se, enfim, entristecida, e dirigiu-se à escrivaninha para pegar os livros de música. Olhou-se no espelho enquanto juntava os livros e fixou-se um tempo no próprio olhar: a cor da borboleta emanava dele, como se ela ali se tivesse entranhado para sempre – e sorriu, achando graça de sua descoberta intrigante.
Como não podia mais se demorar, foi caminhando à escada, ao som triste do violino que murmurava seus lamentos doloridos e convidava-a ao consolo de sua ingenuidade plena.