Enquanto Caminhava

"E então, de repente, disse-me ele sem cautela alguma: não olhes e dê atenção às pessoas. Elas são meramente pessoas, como tu és ou teu irmão.

Não percas o sentido. Tu não vês o negro escuro por entre o aglomerado de árvores no aclive, ou não notas as nuvens que tampam a Lua e deixam o mundo cinzento ou, ainda, não sentes o vento gélido deixar seu semblante pálido por soprar tua face e fazer-te encolher.

Depois de ouvir tais palavras, pude sentir meus pés adormecidos e o incômodo de meu corpo, que pedia por calor.

Infelizmente não consegui definir qual era a estação do ano: minhas idéias insanas e sem sentido me deixaram em dúvida. Talvez fosse inverno (a primavera das estações, em minha opinião), mas não me lembarava a data certa. Talvez fosse primavera, mas não vi senhoras caminhando com flores pela tarde, tampouco crianças correndo para lá e para cá, cantarolando alguma cantiga que não conheço porque os tempos são outros. Lembro-me que na última estação uma dessas crianças apontou em minha direção, zombando de alguma coisa. Desejei que ela fosse para o inferno.

Quase despendindo-se de mim, ele grita como quem expulsa um demônio: Finja que é só você, porque, no fundo, é.

Mais tarde, já em meus aposentos, dei-me conta de que "ele", que por alguns momentos me tratou fazendo uso do imperativo, era eu mesmo, na terceira pessoa. E, mais uma vez, senti como se um imperador ordenasse a seu escravo: Finja que é só você, porque, no fundo, é".