Engolindo letras
Na nobre sapiência de mulher da terra.
Criada na roça.
Raspando mandioca pra fazer a farinha.
Colhendo café e torrando os grãos.
No espremer da cana-de-açucar.
Até finalizar o lento, e meticuloso processo.
Para tê-los na mesa ao final do dia.
Quando adulta e já com filhos.
Nos barracões de fogos de artifício.
Dos nobres dignitários e detentores do poder.
Para estes, sem descanso trabalhava.
Se expondo ao perigo da pólvora socada.
E numa explosão vir a morrer.
Mas, tinha de complementar a renda.
Que já era tão pouca e suada.
Só dava mesmo pra matar a fome.
Dos filhos que a cada ano chegavam.
E ter de fazê-los sobreviver.
Um caráter esculpido pela labuta diária.
Sacrifício pelo pão de cada dia.
Seu saber veio primeiro com a prática.
Invertendo a rota ideal na busca do conhecer.
Não leu romances ou poesias.
Escrever tanpouco sabia.
O suficiente para o próprio nome.
Fazer a si, e a outros reconhecer.
Uma pessoa sem letras.
Talvez para muitos, vazia.
Ao longo da vida deparou-se com letrados.
Homens e mulheres de muitos talentos.
E de grande influência.
Mas, pouca ou nenhuma experiência.
Por vezes, em seu falar, foi censurada.
Apenas sorria, e ouvia tudo calada.
Pois pra outros, tinha pouco entender.
Mas que na vida tudo sabia ser.
Desta, tinha muito conhecer.
Em nada ficava a estes dever.
Passou os anos "engolindo letras".
Como minha pequenina e amada.
Grande mãe costuma dizer.
Hoje compreendo o sentido da frase.
Ao refletir na sua trajetória sofrida.
Teve de muitas vezes se conter.
Engolir sua sábia língua.
E seguir mesmo que na dura lida.
Aprendendo com a própria vida.
O que é o viver.