Engolindo letras

Na nobre sapiência de mulher da terra.

Criada na roça.

Raspando mandioca pra fazer a farinha.

Colhendo café e torrando os grãos.

No espremer da cana-de-açucar.

Até finalizar o lento, e meticuloso processo.

Para tê-los na mesa ao final do dia.

Quando adulta e já com filhos.

Nos barracões de fogos de artifício.

Dos nobres dignitários e detentores do poder.

Para estes, sem descanso trabalhava.

Se expondo ao perigo da pólvora socada.

E numa explosão vir a morrer.

Mas, tinha de complementar a renda.

Que já era tão pouca e suada.

Só dava mesmo pra matar a fome.

Dos filhos que a cada ano chegavam.

E ter de fazê-los sobreviver.

Um caráter esculpido pela labuta diária.

Sacrifício pelo pão de cada dia.

Seu saber veio primeiro com a prática.

Invertendo a rota ideal na busca do conhecer.

Não leu romances ou poesias.

Escrever tanpouco sabia.

O suficiente para o próprio nome.

Fazer a si, e a outros reconhecer.

Uma pessoa sem letras.

Talvez para muitos, vazia.

Ao longo da vida deparou-se com letrados.

Homens e mulheres de muitos talentos.

E de grande influência.

Mas, pouca ou nenhuma experiência.

Por vezes, em seu falar, foi censurada.

Apenas sorria, e ouvia tudo calada.

Pois pra outros, tinha pouco entender.

Mas que na vida tudo sabia ser.

Desta, tinha muito conhecer.

Em nada ficava a estes dever.

Passou os anos "engolindo letras".

Como minha pequenina e amada.

Grande mãe costuma dizer.

Hoje compreendo o sentido da frase.

Ao refletir na sua trajetória sofrida.

Teve de muitas vezes se conter.

Engolir sua sábia língua.

E seguir mesmo que na dura lida.

Aprendendo com a própria vida.

O que é o viver.

Jeugam
Enviado por Jeugam em 21/05/2009
Reeditado em 21/05/2009
Código do texto: T1606337
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.