Eu e Ele
Às vezes eu o flagrava de madrugada
olhando as estrelas. Sempre distante e eterno, como se soubesse o segredo.
Eu o convidava a fechar as janelas,
e com um jeito de irmão mais velho,
mesmo parecendo mais novo, ele me olhava com carinho
e em silêncio vinha deitar comigo.
Quando amanhecia feito um homem centrado, eu vestia meu
terno, minha armadura, e então acertava o nó da gravata, e quase sempre me esquecia dele.
Durante o dia por muitas vezes ele tentava fazer contato comigo, mesmo eu tendo me desligado ou batido portas e janelas na cara dele. Ainda assim ele insistia.
Outras vezes durante as reuniões de negócios eu me distraia dele cutucando minhas mãos com a ponta da lapiseira ou lendo a advertência que eu mesmo escrevia no cabeçalho da folha branca:
" keep your eyes on the boll "
Por fim ele venceu, mas foi eu quem ganhou.
Hoje ele e eu somos unha e carne, caminhamos juntos de mãos dadas pelas ruas, pelos campos, pelos sonhos.
Ele é meu melhor amigo.
Ultimamente é cada vez mais frequente pensarmos juntos, pronunciarmos juntos a mesma palavra ou sentir juntos o mesmo espanto e o mesmo encanto quando contemplamos o brilho da estrela da manhã, ou quando lemos um verso do Alberto Caeiro.
É como se estivéssemos nos tornando uma única pessoa.
Agora acordo de madrugada
e nos flagro olhando a via láctea.
Distantes, eternos.
É como se soubéssemos o segredo.