post scriptum

P. S.

A

NICK GREENE

Todo autor deveria morrer depois de ter escrito.

Para não perturbar o caminho do texto.

Umberto Eco, Postille a "Il Nome della Rosa", 1983.

Escrever um livro é fácil. Difícil é o post scriptum, que forçosamente tem que ser genial.Isto porque o melhor já passou e agora você terá a hercúlea tarefa de resumir a história, se desculpar pelos seus erros crassos, ou, o que é pior, divagar sobre sua imensa sapiência, cujos meandros são inconvertíveis em palavras, e que seus leitores não puderam, via de regra, acompanhar.Muitas vezes, redunda na mesma coisa.

Não me lembro precisamente de onde desencavei meu pobre Nick.Sabia que Nick em Inglês é um apelido(nick-name) para o coisa-ruim, o pactuador, o pé-fendido, o canhoto, o tinhoso, o jurupari, o Diabo. Então, eu pensei em escrever sobre um colégio de crianças ricas- que Inferno!- numa Era Vitoriana ucrônica em que meu diabrete estudasse, e as confusões seguiriam...naturalmente.Simples, assim.E agora, começam os 'mas...':

Mas Nick tem uma irmã, Su.SU, ou seja, sobre, acima. Ela deveria ser uma entidade angélica, oposta em tudo ao irmão. Ops, meio-irmão.Mas acabou sendo uma cúmplice dele, e também vítima.E, naturalmente, o mesmo ocorreu com seus muitos amigos.

Mas não consegui me restringir a briguinhas de escola nem a citações da Divina Comédia nos tempos da Rainha Vitória.Aliás, a gorda e toda a nobreza britânica têm, no fim, o que merecem.Não...aparece a nêmesis de Nick, sua mãe, a encantadora bruxa que desce do céu como Mary Poppins, mas de aeroplano.Afastada de seu rebento ainda na infância em circunstâncias merencórias, ela o quer de volta.

Mas, ainda menina, ela entrara em contato- como é comum nestas histórias- com(como direi?)uma realidade absolutamente dura, clivada, dolorosa e sem esperanças, a do gueto hebraico de Veneza.Deste limbo de sofrimento ela escapa por pouco, caindo sob os cuidados da enigmática e arquetípica senhorita M.

Más...cara!Foi neste instante que eu me lembrei do quanto amo o Barroco italiano e espanhol(e por isso os títulos das partes do livro são puro conceitualismo).Neste momento eu desejei-e aqui, muitos caem em perdição- subverter totalmente o mundozinho narrativo plano de Nick.Dei a este uma curvatura positiva, maneirística.E aqui vêm os 'nada me impediria':

Nada me impediria de dotar meu narrador de poderes supremos, supremas ironia e loucura;

Nada me impediria de apelar para o proverbial mas eficacíssimo atalho do sonho dentro do sonho;

Nada me impediria de mexer sadisticamente com as psiques de todas as crianças do Colégio Real(real?);

Nada me impediria de embeber a minha pena na tinta densa do plasmável espaço-tempo do fluxo de consciência;

Nada me impediria, enfim, de exercitar um pouco o controle que o autor tem sobre o edifício causal da literatura- e aqui veio o símbolo da Torre de Babel- que está cheio de fendas, por onde penetram os raios aleatórios de outras realidades.

Sempre é bom inverter, dizem os matemáticos. E foi o que fiz, a partir de um contramolde da NOSSA realidade, que, eu retenho, é uma

droga!Se acaba agora, já vai tarde.E comecei o DILÚVIO.Estudado, mas sem dó ou piedade.Engana-se, contudo, quem pensa que o narrador maligno seria meu ego enjaulado.Não.Para dizer a verdade, enquanto eu desenrolava o Armagedon na minha mente, lembrei do pássaro que mais gosto.E do que trouxe a Noé o ramo indicador de que havia terra onde desembarcar.Muito embora as crianças sofram, muito embora as baleias se suicidem em massa, os gatos-como o doce Bruegel- sejam esterilizados, que é um eufemismo para sexualmente anulados, e muito embora a pouco e pouco a vergonha nos cubra como raça e espécie, ainda voa a esperança.No meu mundo.

Eduard, o Gaivota Branca, foi baseado, por incrível que pareça, em Edward Alexander Crowley- Aleister.Uma coisa eu fixei: ocorreria o apocalipse, as crianças, os deuses, todos, pereceriam. Mas um mundo narrativo não termina.É englobado.No nosso caso, pela megacorporação Cardoso & Barroso.Eles determinam demiurgicamente as histórias possíveis, operando dentro de um continuum limitado somente pelo orçamento disponível para cada uma delas.

Diversos segredos em esboço desde o início são aqui revocados.Deve ser difícil para o leitor, a princípio, reconhecê-los. Mas é forçoso saber que a partir das palavras mágicas

quando a Pedra começou a reconfigurar...

nossa viagem nos leva a um outro modo de enunciação, em que ainda subsistem os símbolos de antes, mas eles estão metamorfoseados.É uma boa dica para quem quer realmente entender esta história.

Tentei deixar o final tão belo e terrível como um sutra budista, leitor.Aquele FINIS- e aqui estou sendo místico- não fui eu que o coloquei ali. Será que foi a Cardoso & Barroso? Ou terá sido você?...

Filicio Albara
Enviado por Filicio Albara em 12/05/2009
Reeditado em 13/05/2009
Código do texto: T1589155
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