Limiar

A conjectura do dia, num momento se regressa à memória sediada de outro dia. A tentação de dizer o que foi breve na dispersão das aves, ir além das janelas oceânicas num desejo clandestino. Não esqueço, nem o silêncio infiltrado nas vogais da voz. Ou a luz, as sombras insondáveis sob a luz, o deslize dos jardins ao poente. As frases para viver o itinerário dos lábios,

quando

o limiar anuncia a despedida,

sob as pálpebras perfeitas do mundo.

Nunca saber a identidade do que somos,

apenas

lembrar onde estivemos, onde estivemos,

um lugar meditado

por dentro de uma noite anónima.

Não importam as horas ou a claridade, a memória desliza em nós como outros, corremos pelas áleas do vazio, corremos entre árvores vulgares ao som do vento da despedida.

Li, em páginas evasivas, a memória é um lugar habitável, ninguém se reconhece nas imagens de paredes brancas, vultos diluídos na água transparente dos sonhos. A conjectura de um dia possível que não existe, invento os navios distantes ou os traços do ar ou a minha narração de ti, invento, inventei, os degraus da noite líquida e anónima, todas as sílabas numa varanda rente às ondas.

O futuro é sempre a hipótese do que não virá.

Um lugar meditado

na memória imensa, quer dizer: