Nada

Os dias passavam e eu continuava a andar completamente só. Comigo não transportava nada. Nenhum grão nos bolsos. Nenhuma poesia ou vocábulo nas mãos. Ninguém. Percorria pelos dias e às vezes receava como uma criança amedrontada. Como uma memória destrançada no esquecimento do cotidiano vasto. Coisas triviais, refletia. E não pronunciava quase nada pelas tardes sujas no solo. Numa cidade que se estendia sem pressa para o tempo frio. Por entre as paredes que, neste instante, eram lisas de som(bras). Nos ruídos vagarosos do meu corpo. Tinha deixado tudo para trás. Os mortos sepultariam os seus mortos. E pela fuligem das nuvens frias eu permaneceria neste lugar. Sã e salva na noite, como uma terra ensopada de chuva na grande largura das vias desta urbe. Os escritórios permaneceram vazios. A minha casa mergulha numa treva cor de azul, desembaraçada pelo chão frio nos lençóis à chuva. E ao sol. Durante o dia. O mesmo dia de toda a minha noite ao lado do nada. Com o rosto muito aberto ao reflexo na leve música desta habitação a que volto todos os dias. Abrigado o rosto, uma vez próximo à morada. Passada a porta de entrada, muitos são os dias em que me assento sem tardança ali no chão. Como se esperasse a origem desta música ardente que por dentro me dá vida. A roupa permanece lá fora. Estendida sobre o céu, num estendal imaginado no interior dos homens. Na região esférica do corpo. Aos fins de semana cai a chuva do firmamento como uma argila aquietada na omissão destes passos que dou aqui. Jamais acabará esta chuva. Nos olhos. Nos meus olhos. No sopro dos vidros vibráteis de recusa à flatulência. Porque os dias passam. E só, aquela criança acordada pelo varrer das tempestades andava enlouquecida, sozinha e de mãos muito acesas pela luz brilhante do amanhecer.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 04/05/2009
Código do texto: T1574429
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