"Puerpério"
Há tempos não escrevo o que sinto. Não porque não tenha o motivo – estes tenho aos montes, mas sim pela ausência de uma necessidade que me é exterior. Vários foram os momentos que me pus a engenhar alguma prosa, e em todas fui aniquilada pela impotência do meu ânimo.
Uma fina voz chega aos meus ouvidos sempre quando me concentro em algum tema; e vai-me irritando, esmorecendo-me até me reduzir em nada. E, então vago analítica num mundo soletrado, pactuado por motivos que se acumulam em minha reminiscência.
Ontem, enclausurei-me numa vaga imagem até não mais suportá-la: ora eu a fitava, perdida e aturdida; ora ela – raivosamente – me intimidava. Desisti. Abandonei-a num canto da minha consciência. Ainda lá está, há fitar-me desafiadora. Talvez seja tão paciente quanto eu estou sendo neste momento: em contar-lhe seus desaforos.
Rasguei a minha sanidade quando me vi envolvida pelo cotidiano da minha simples existência. Não me propus a acumular bens, nem tão pouco sonhar por eles e com eles. Eu apenas vivo, consumindo um dia após o outro, sem pressa de vomitá-lo. Embriago-me das madrugada como um ébrio poeta, meu desjejum é o amanhecer – e eu o devoro delicadamente; e as outras horas são petiscos, que amenizam minha fome – de vida. Somente a noite é que não digiro, por ser esta a minha cefaléia; causadora da minha latente dor. Eu macero meus dias ruins e renasço noutro. Penitencio-me sem julgamento. Rendo-me sem que haja invasão. Aconteço pura e simplesmente, sem que exista fato ou ato que me impulsione. Eu vivo um mundo grávido, fecundado pelas minhas palavras.
O título justifica-se na essência deste - que se torna mais uma tentativa de minha coexistência.