Frio
Eu não sei me comportar no frio. Tudo gela, tudo é rígido, tudo é comprimido. O corpo é tenso, a alma é tensa, tudo é cinza. Não se coloca as mãos, não se coloca a língua, não se sabe colocar, pois tudo treme, tudo conflita, tudo se esgota. Muito se cansa, nada se cobre, pois não se cobria quando era quente, não sabe se cobrir.
Eu não sei me comportar no frio. Não há delícias, não há compartimentos, não há conforto (de corpo e de mente – Meu Deus, tanta gente também com tanto frio!). O cabelo não seca, a roupa não seca, tudo se suja, a lama escorrega e se adere ao corpo, às pernas, às coxas, às unhas coloridas e as torna marrons, cinzas, escuras.
Eu não sei me comportar no frio. As coisas são tristes, não se sai na rua, não se modifica, não há convívio, ou há convívio demais. Tudo é extremo, tudo é grotesco, o toque machuca, o carinho não afaga, os corpos não se esquentam, o indivíduo é mais indivíduo, não há volúpia, não há desejo, não há jeito, tudo treme, nada se entrega.
Eu não sei me comportar no frio. O frio castiga, o frio ri de todos, a todos importuna, a todos cutuca, a cada momento, a cada minuto lembra que aqui está, que existe, que vai demorar ir-se, não vai evadir-se, e vai rir-se, e rir-se , e rir-se. Aumenta-se tudo, tudo sufoca, espalha-se forte, resistente sempre, sempre agonia.
Eu não sei me comportar no frio. Mas o frio sabe comportar-se em mim.