EU COMEÇARIA POR INCENDIAR O AMANHECER
Eu começaria por incendiar o amanhecer, conseguindo, assim, colocar mais lucidez e mais ardor no nosso despertar. No adeus das estrelas, já repletos da aventura da interpenetração de nossas almas, deitaríamos sobre brasas da enorme fogueira reinante e descobriríamos o mistério de sensações mais espasmódicas, eriçadas desde pele e toque e ousadia e acolhimento supremo e gozo profundo e rebusca do novo dentro do novo e olhares refletidos de incandescência e bocas que dizem quando caladas ou sorridentes ou procurando pelos continentes dos corpos que portam abraços insanos e a rudez de músculos guerreiros, em par com acidentes de nossas anatomias feitos como almofadas para o aconchego.
Eu não sobrestaria e seguiria pondo fogos-de-artifício no luar e vozes corais em todas as folhas sonoras à brisa em torno e pétalas suabilíssimas por todas as encostas de montes por rolar abaixo, supondo-nos um cilindro-síntese de alegre brincar e intenso possuir.
E risos e risos e risos, a fartar; risos das coisas que são e das que não são; risos a ecoar pelos montes petalados; risos a confundir folhas sonoras e brisas cantantes; risos a distrair do espetáculo do véu de luzes descendo da Lua a espoucar como os intermináveis fogos.
Não, não saia do nosso abraço em transe com o melodioso e o perfumado e o irrequieto e o apaixonado que se tornou o criativo entre nós. Não deixe o nosso abraço, que o novo amanhecer traz promessas de mistérios que desvendaremos com instigante curiosidade, mas provavelmente ignoraremos depois como mistério, pois tudo que assoma aponta para o único mistério que somos nós. Não se desvencilhe assim tão breve de nosso abraço, que ainda falta rir e rir e rir, a fartar, de nossa ingênua noção, que não soubemos que, no instante em que nos conhecemos, nós éramos sementes do fruto que veio a ser o trajeto-vida em que nos descobrimos com nexo, com-plexo, com sexo.
Rafael Teubner