INSÔNIA

Num banco tosco da praça

o bardo vê passar a madrugada.

Sobre o tapete da Avenida

a faixa ocre das luzernas

desliza-se pedindo estrelas

ao céu, na meia volta finda,

remendado em nublo véu.

Uns vira-latas se juntam

fossem guardiões das ruas

e conversam uivos vagos

sobre matilhas e seus cios.

E em momentos raros,

em descompassados passos,

viventes cortam a esquina

de certo, do bar ao lar.

O bardo, que do banco assiste,

insiste que à sua amada vai

saudoso pelas desilusões

das aventuras extracoitos.

Os semáforos quase desistem

de piscar em vão, mas vão...

tamanha é a ausência semovente.

O único guarda, a si mesmo

apita, fosse o seu bandido

pois além dele no posto

e o bardo no banco, insuspeito,

só cri-cris de grilos ouve.

Um pombo arrulha insone

e uma fagulha de um bólido

risca entre espigões, o céu.

Uma folclórica mulher louca

diz o que não pensa

aos postes mudos da praça

e ri de graça da desgraça sua;

alegria menos cara dos plebeus.

Nas sacadas dos solares,

foscas luzes de arandela

e uns pares de gerânios

cruzam matizes grenás

abrandando os refletores

nem um pouco sonolentos.

Nada é intacto, tudo é poste,

se não for o vento brando

a dormir pelas copadas.

Do pé à ponta da Avenida

o bardo vê a própria vida

passo a passo ir passando...

Vilmar Daufenbach
Enviado por Vilmar Daufenbach em 30/04/2009
Reeditado em 15/05/2009
Código do texto: T1568153