INSÔNIA
Num banco tosco da praça
o bardo vê passar a madrugada.
Sobre o tapete da Avenida
a faixa ocre das luzernas
desliza-se pedindo estrelas
ao céu, na meia volta finda,
remendado em nublo véu.
Uns vira-latas se juntam
fossem guardiões das ruas
e conversam uivos vagos
sobre matilhas e seus cios.
E em momentos raros,
em descompassados passos,
viventes cortam a esquina
de certo, do bar ao lar.
O bardo, que do banco assiste,
insiste que à sua amada vai
saudoso pelas desilusões
das aventuras extracoitos.
Os semáforos quase desistem
de piscar em vão, mas vão...
tamanha é a ausência semovente.
O único guarda, a si mesmo
apita, fosse o seu bandido
pois além dele no posto
e o bardo no banco, insuspeito,
só cri-cris de grilos ouve.
Um pombo arrulha insone
e uma fagulha de um bólido
risca entre espigões, o céu.
Uma folclórica mulher louca
diz o que não pensa
aos postes mudos da praça
e ri de graça da desgraça sua;
alegria menos cara dos plebeus.
Nas sacadas dos solares,
foscas luzes de arandela
e uns pares de gerânios
cruzam matizes grenás
abrandando os refletores
nem um pouco sonolentos.
Nada é intacto, tudo é poste,
se não for o vento brando
a dormir pelas copadas.
Do pé à ponta da Avenida
o bardo vê a própria vida
passo a passo ir passando...