Rasgado o vidro

Rasgado o vidro, ao avesso do rio das sombras e da noite queimavam-se, até então, os dedos do coração na ternura de uma naturalidade desimpedida. Feita de farrapos verdes. De pés descalços. Junto ao solo. Junto a terra e com o coração propenso para o sussurrar das plantas. Arrancadas das mãos. De uma enxada que pouco a pouco se mescla com as aparências. De te fazer desenvolver, solo. Terra tão perto da pele, numa nudez tão verde como os teus olhos. Por dentro da lembrança completa que é tudo esquecer, e nisto, eu ser esquecida pela hortaliça à flatulência. Falecida no silêncio. Rasgada no vidro. Aos poucos talvez eu ainda lá permaneça. Protegida naquele coração cerrado. Encoberta, preservada numa casa com as paredes feitas de uma paz deitada junto à cadeia de montanhas que à noite respira e brilha sem pressa na ternura bruta do solo. De uma terra contrariada ao curso da escuridão. De um solo que multiplica-se na minha distância. Esta distância. De dois vocábulos. Eu e tu. No ruído da urbe. Esta distância sem peso. Nos destroços que as asas das pombas conduzem. Na distância paralela ao trabalho. De, repentinamente, respirar. Eu esqueço-te no sofrimento, solo. Por entre o pó. Da minha destruição. Das minhas ruínas. Com os olhos queimados e o torso bastante dobrado sobre o tórax. Escondida. Extinta. Extinguindo mais vocábulos. Pedindo com instância. Como se perde a dor. O encontro. Ou a poesia. Para sempre.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 28/04/2009
Reeditado em 28/04/2009
Código do texto: T1563754
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.