SACRO OU PROFANO?
Da janela do seu quarto ela vê a noite se esvair dando assim lugar ao dia que está prestes a nascer. Seus olhos insistem em permanecer abertos, lhe negando tão merecido descanso. Sua alma aflita quer repouso, mas os fantasmas que nela habitam negam-se a se calar, provocando desta forma um torvelinho de emoções às quais ela tenta esquecer ou esconder. Até quando transitarás entre o sacro e o profano? Sua alma carnal lhe pede fidelidade eterna, mas a espiritual lhe traz à mente seus pecados e quão indigna se faz de perdão e salvação. Ou será que é a mesma alma que lhe atormenta com tantos fantasmas e pesares? A carnal é enganosa apesar de prazerosa. Ao mesmo tempo em que lhe proporciona o êxtase, lhe esfrega na cara os pecados mortais pelos quais ela desesperadamente tenta ser perdoada. Seus olhos são puro pavor e medo. Quer ser salva, mas também quer ser feliz e parece que neste universo de forças ambíguas lutando por lhe dominar o viver, prazer e felicidade não pode andar lado a lado. E ela se desespera então, pois não pode viver sem um e nem tão pouco sem o outro. E através da fina cortina de sua janela, é possível vislumbrar o desespero que lhe corrói a alma. Que espetáculo sórdido e sombrio se desenrola à sua frente, ou melhor, em seu interior. Quem lhe disse e quando que ser feliz e ter prazer é proibido? Pobre mulher! Como poderei ajudá-la? Não poderei. Existem guerras em que não podemos ser auxiliados por outrem. Tem lagares que precisam ser pisados sozinhos pelo dono da vinha. É nesta batalha em que a pobre mulher se encontra. Seu lagar ninguém poderá pisar por ela. Mesmo em silêncio é possível ouvir-lhe os gritos de desespero e clemência. Debate-se, chora, clama e em uma catarse de sentimentos momentaneamente instrospecta-se para poder em breve voltar em uma explosão incontida. Exausta vai ao chão. Por um breve momento acha-se imóvel como morta. Será que realmente não se foi? Fico a observá-la. Lentamente começa a mover-se. Seu rosto está transfigurado pela dor da batalha e pelas lágrimas vertidas. Seu olhar agora se direciona para o meu. Vejo dor, mas também alegria e esperança. Sinto que seus fantasmas ainda fazem parte de sua vida, mas ela de alguma forma conseguiu momentaneamente apaziguá-los. Levanta-se revigorada, pronta para mais uma batalha. Parece que está começando a entender que viver é se permitir fazer escolhas, mesmo que as mesmas estejam na contramão do mundo. Está disposta a pagar o preço por elas. Será feliz, prazerosamente feliz. A esta altura, o sol já derrama sobre a terra seus primeiros raios de um belo alvorecer. E ela se recolhe para seu merecido descanso, levando consigo o calor do astro rei e a certeza de que agora repousará em paz.