oh, América....
A caudal já passou, orgulhosa. Suspiros ouviram outros suspiros e habitavam todos a charneca verde da virgem ALBION, cuja lei é ditada pelos que nascem, não pelos que morrem, e cuja rainha para sempre será a sentimental grama, que viu cruéis batalhas, de que bebeu o sangue amigo e inimigo.Onde está a lua do coração, o sorvedouro do sol, entreposto da Teodicéia terrena, naqueles planos intocados de branca pureza- mundo superior onde quem vive não deixa rastros, e cujos mortos vivem no enleio de conversar eternamente com a própria sombra? Desfalece a mãe de Tudo dentro da tenda do Nada, esperando o retorno de seus filhos perdidos. Ao largo, a Noite murmura detalhes de sua lenda, que só os mortos e os animais e as plantas conhecem- como as palavras de criação e os olhares de destruição, as regras de fertilidade, as leis do arado e da flecha, e as pungentes canções dos féretros.Dorme a Grande Mãe sobre o relvado comum, crescendo sob o comando natural do solo que vigia a Pátria dos Mortos, cujos lamentos repetidos afloram no abrir e fechar de pétalas mais silencioso do mundo. Talvez seja uma notável simetria que a seiva pulse juntamente com as marés de água e de sangue, e que com isso haja na Terra estações determinadas para plantar e colher...sonhos.
Oh, quem me dera poder seguir com os dedos a febril encosta de tua nivosa nuca, ó América, deslizando leve por sobre esses noturnos caminhos de clareiras rescendendo a hortelã. Oh, pudesse eu testemunhar o pôr-do-sol neste golfo adormecido, onde outrora habitou o aparente progresso do ocidente- emasculado rei de roupas invisíveis e dentes simbolicamente impotentes.América, sonho genovês, sopro do céu, terra anciã das delícias antediluvianas gravadas pelos caninos do Tempo no ventre das sequóias, estes sim viris em sua labuta cega que opera a mais sombria destruição.O indígena aprisionado não sucumbiu. Aprecia a paisagem remanescente e imagina a mata sem obstáculos de outrora, sustentada pelo hálito do sol e pela chuva. Terra jamais consumida pela sede roaz, templo inconcebível distante da morte e destruição, num universo de caminhos interdependentes, de Koyannisqatsi. Ouve-se o grito do falcão cortar as nuvens, e se vêem suas garras despedindo-se da fome ao cravar-se num gerbilo. Testemunha do resurgimento do Deserto, o indígena vagueia de Espírito Livre,num horizonte meridiano, e imagina ídolos tão velhos quanto a nobreza de sangue, noites passadas sob as estrelas que deram nomes aos homens, e não o contrário, e ensaia um canto guerreiro votivo, atroando afora na sombra, posterior ao seu primeiro dia de cativeiro...mas ele não chora, pois é como seus ancestrais.
Longe de fúria e vingança recrescem as mais diversas flores: a paixão é uma delas, carmesim, leonina, mas de odor suave, da qual não vemos as vergonhas-isto é, as raízes.O amor, esta eu pretendi esquecer, mas às vezes um simples piscar de olhos pode igualar-se a uma certa conformação de sépalas e anteras. O misticismo lembra as opiáceas e os encantos do oriente, desejos feitos e alcançados, mas traz um aroma velado de infinito naufrágio.Eu escolhi este caminho do abandono, destinado aos fortes cujas dúvidas fraquejaram. A aventura coroa os campos-santos e recorda os estefanotes.Jamais cogitei este destino, por ser imutável(só leva até os Portais, sem adentrá-los), e de fragrância transitória, inocente. A riqueza, não a quero. Definha ante o olhar, que é como o sol em sua avalanche diária sobre os cáctus do deserto. Realmente esperei algo do tempo, mas não obtive sabedoria, e a infinita prudência de que me cerquei de nada serviu. São como espinhos colaterais de uma grande rosa, bela mas que há muito não recebe a água criativa, e foi implacavelmente infiltrada por primitivos ácaros do conhecimento, cujas faces róseas e cobertas de morte aguardam...