o sonho de cesare

Uma viela deserta de uma cidadezinha alemã onde, hoje, ocorre uma feira, com mágicos, malabaristas, ciganos, vendedores de antigüidades. Sombras cobrem as casas por instantes e desaparecem; os passantes observam um vulto esguio deixar-se levar pelo vento, a caminho do arrabalde. Lá, um velho carrancudo defende sua pequena carroça dos ladrões e curiosos: ele os expulsa com seu cajado e ruge ameaçadoramente.

A chegada do vulto desencoraja uma trupe de acrobatas de zombar do velho. Este faz uma careta. Cesare, o homem magro e fantasmagórico, gesticula, pedindo para retornar a seu esquife, dentro da carroça. O doutor Caligari o reconduz a seu lugar de sonhos.

Cesare sonha, e em sua revêrie percorre campos sem cor onde crianças brincam em torno de um carrossel. Tudo parece um cartaz de Toulouse-Lautrec, mas desenhado com um fusain gasto. Obra inacabada, o sonho do sonâmbulo não é explícito nem para ele mesmo, que se contrai em dúvidas e bruxismos.

Enquanto isso, o doutor lê um diario italiano em que se pode notar a frase il museo ermetico del sopradetto medico, in vero stregone e ciarlatano...Caligari encosta-se à parede que se inclina e quebra inesperadamente, e cochila, insensível aos horrores de seu servo.

Cesare arrulha. Está caminhando por um parque de diversões, onde formas felinas de súbito explodem em histeria feroz. Está sendo perseguido por anões; é espreitado por figuras de cera. Espirais descem do céu baço e tentam agarrá-lo. No sonho, só podemos ver os seus olhos, dotados de uma energia que desliza para dentro de nós se os fitamos imprudentemente. Ele escapa e segue por uma rua sem décor algum, e ouvimos o tic-tac caótico de um relógio que nos faz flutuar no tempo, em vez de imperativamente só avançar, um momento por vez.

Caligari também tem seus sonhos. Nessas fantasias ele é convidado por reis e rainhas para mostrar suas habilidades hipnóticas e fazer os horóscopos dos nobres. Um destes tratados dos astros está sobre aquela mesa: mas os sete planetas estão em ordem inversa, e surgiram mais três! Cesare, triste e vazio, vem trazendo nos ombros pesadas cartas celestes.

O notívago já deixou a rua e lentamente cambaleia rumo a um grande salão em abóbada, de onde pendem pesados escudos e armas antigos, como num armorial. Cesare se isola da multidão, que, abismada, perscruta o alto. Por sorte, não o viram. Luz sem cor é filtrada pelos vitrais lá em cima, o que resta cai sobre uma enorme estrela pintada no chão.

O doutor ressona com vagar. Quer saber sobre a América, sobre ilhas distantes. Os outros cabalistas o vêem com desconfiança; mesmo assim, conversam. Têm medo do homem-marionete de Caligari!

Cesare distrai os duques e condes com o violino. Executa a música com um Cremona original(onde o teria conseguido?), e o mundo irrompe em aplausos, que o assustam. Todos querem tocá-lo, querem que prediga seus futuros- oh, este maldito dom!- e muitas damas se enamoram dele.

Porém, o sonâmbulo desce para seu ataúde. O doutor está a sua espera, balbuciando algo. Ambos estão cansados, e seus aposentos no palácio, embora luxuosos, têm odor de môfo e cânfora. Vão dormir, Cesare primeiro.

Sonham que estão em Holstenwall, e que um horrendo crime acontecera. A feira começa em poucas horas. Talvez eles fujam com os ciganos, ou sumam, simplesmente, sem deixar vestígios, para uma distante dimensão paralela, onde Cesare brincará com crianças e Caligari lerá seus livros alquímicos.

Was schläfst und träumst du, Jüngling??