Mutações

Respeitável público, diretamente do Circo das Coisas Fingidas um espetáculo, o maior da Terra, um grande exemplo de mentirinhas e omissão já encontradas...

Um palhaço pinta o rosto para esconder a tristeza, um palhaço tenta levar aos seus espectadores um pouco de alegria, mas a mim o palhaço nunca enganou.

Seus truques, maquiagens e piadas apenas camuflam por um curto espaço de tempo o que ele realmente sente por dentro e eu sei que ao término da apresentação, o palhaço vai pra trás do picadeiro pra chorar.

Ele chora por que não gostaria de sentir o que sente, ele chora enquanto tira a maquiagem e pensa nos erros que tem cometido em sua vida, não os erros passados, mas os erros presentes, aqueles erros que ele comete conscientemente e antes de cometer já se sente culpado. O Palhaço se sente horrível por ser um palhaço, um grande palhaço que esconde ao público seu verdadeiro sentimento em prol da felicidade alheia, e o que ganha com isso? Ganha palavras jogadas num álbum de recordações, palavras essas que nem são segmentadas a ele, palavras essas que arrancam em cada sílaba um pedaço de sua fantasia, de seu escudo.

Um palhaço não gosta de ser feito de palhaço, apesar de muitos acharem que sim. Um Palhaço não é palhaço, um palhaço mais chora que ri, digo aos leigos do assunto.

Um palhaço tem sentimentos e tenta ser sincero com todos à sua volta e o que ganha em troca? Um novo nariz, daqueles bem vermelhinhos, para que saiba realmente qual é o seu lugar.

O palhaço cansou das mentiras, das omissões, das boas intenções que só o fazem sangrar por dentro, uma hemorragia talvez. E mesmo assim, nesse estado catastrófico e desmedido chamado "fundo do poço", o palhaço ainda tenta se mostrar forte perante quase todos, ele tenta ter armas o suficiente para lutar contra a chuva de olhares e dedos que o apontam, quando não consegue esconder-se de um único olhar, justo daquele que ele mais queria esconder-se. Na verdade, não queria se esconder, queria mudar de circo, de estado e até de planeta se possível para não sentir mais aquela presença que o incendia por dentro, que o conhece por inteiro.

O palhaço cansou das indecisões da vida e quer ter coragem para tomar sua própria decisão.
O palhaço cansou de ter medo...

Agora é a hora da apresentação, ele se mostra firme e alegre para entrar no picadeiro, olha-se no espelho e não se reconhece mais, perdeu a vontade de si mesmo nos últimos tempos e perde ainda mais a vontade de si e daqueles que gosta a cada decepção, a cada lágrima que se derrama por motivos que só ele sabe quais são.

O palhaço está lá, mas borrou maquiagem com suas lágrimas que nada mais são que o resultado das mentiras ditas no escuro da noite, quando todos já dormiam.
Ariadne Manfredini, in contos grandes
Muito lindo, não dá pra deixar de ler