As bolhas de sabão

Soprava, suavemente, a água que, como uma lente de vidro, preenchia a finíssima estrutura circular de arame. Era preciso ter o maior cuidado: com toda a delicadeza possível, mas não sem intensidade, a menina soprava a matéria informe em suas mãos esperando jorrarem belas bolhas de sabão. Respirava profundamente, concentrava-se, toda a atenção dela voltada ao seu fim supremo: enxergar as frágeis formas voarem para fora da janela durante alguns instantes.

A tarde se desfazia, matizes vermelho-dourados acompanhavam o azul claríssimo do céu sem nuvens, meninos brincavam na calçada à frente. A janela era seu refúgio ao findar o dia: através dela, podia observar a magnitude da vida desenrolar-se, fazia-se pequena, esquecia-se de si mesma para fundir-se com o universo circundante. Tanta vastidão, tanto mistério em cada minúsculo pedaço de calçada, em cada passo seu, em cada intervalo entre o respirar...

As bolhas saíam; trêmulas, no início, ganhavam certa consistência no meio do caminho e planavam, ondulando com a brisa. Não temia mais o sumiço súbito, como no passado: aceitava o desaparecimento como aceitaria o do próprio corpo.

Os reflexos dos últimos raios do dia atravessavam as pequenas bolhas, enchendo de luz os olhos da menina. Aprimorara-se na emissão de ar, de modo a conseguir o maior número de bolhas possível por vez. Saíam juntas, separavam-se, dançavam uma coreografia leve e etérea no céu.

Às vezes, tombavam sobre as cabeças dos meninos que brincavam. Noutras, vinha algum que ainda não as tinha visto e, fascinado, corria atrás delas como quem corre tentando pegar borboletas que fogem, não as tomando nas mãos, porém, pois estouravam com o contato. Eram tênues cristais, não suportavam impacto material.

E a menina, incansável, encantava-se com suas bolhinhas até que surgissem as primeiras estrelas no céu e a água com o sabão acabasse no copinho que mantinha entre os dedos. Das horas todas, a que existia com maior força. É que materializava ali o incorpóreo, o invisível do mundo, o onírico, o que sentia: ali expressava o inexprimível da única maneira que conseguia.

Inebriada de arte, vendo o mundo posto unido ao que inventava, surpreendeu-se com o menino novo que chegava. O guri, em silêncio, observou as bolhas de sabão como quem as visse pela primeira vez. Não com espanto, com uma ternura imensa, sorriso sereno, olhos brilhantes. Uns dois segundos ou três, apenas mirou. Depois, devagar, como se o chão pudesse se abrir com um pisar mais forte, caminhou seguramente até uma árvore ao lado da janela da menina. Estacou com doçura e esperou. Abriu, então, as mãos com cautela, e deixou que uma bolha quedasse sobre elas.

E ela permaneceu intacta sobre suas palmas: intacta. Não sumiu. A menina deslumbrou-se com o feito. Como conseguia? Talvez os outros fossem demasiado agressivos, talvez. Impacientes, incapazes de observá-las em seus minúsculos detalhes. A menina sorriu, um riso tão espontâneo e verdadeiro que houve som e o guri levantou os olhos à janela. Então ocorreu o silêncio mais profundo e pleno e a paisagem em torno sumiu-se como as bolhas, até brotarem estrelas de seu interligado olhar e ascenderem aos céus na noite densa.

Clarissa de Baumont
Enviado por Clarissa de Baumont em 17/04/2009
Reeditado em 17/04/2009
Código do texto: T1544481
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