[Nesta Manhã]
A manhã tem um gosto de despedida,
despedida de quem, do quê, por quê...
Sensação de mim em outras épocas,
outras ruas, outro sol, outro mundo
[a manhã é de chumbo, sem sol...].
No meu quarto, paira um cheiro enjoativo
que expressa a medida da minha solidão;
no espelho do banheiro o meu rosto molhado,
sem o desenho de qualquer expressão;
ah, a fome antiga que não volta nunca mais,
e a perda do jardim do cultivo de esperanças!
As palavras não têm, de si, uma face,
mas elas podem me vestir uma face:
hoje, a da tristeza por uma causa
expressada na palavra "Despedida";
síntese de não sei o quê, por quê.
E justamente por eu não saber,
invade-me o nada, e nada quero,
não há um objeto do [meu] desejo
colocado na paisagem desta manhã -
vazio, vazio oceânico... everywhere I look!
Ah, cinzas, cinzas bíblicas sobre a cabeça
deste ateu náufrago no absurdo do mundo!
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[Penas do Desterro, 16 de abril de 2009]