O vapor

O vapor embaçava o vidro do box e tornava inútil o brilho do espelho , cúmplice silencioso da pia do banheiro, enquanto ela se banhava com uma temperada água morna que caía ao som mecânico e ritmado do chuveiro . Aromas de alfazema fizeram-na imaginar que estava nua no jardim dos cálidos amores que havia sonhado ao longo daquele outono que se apresentara no cartão de visita das folhas amareladas da árvore avistada pela ventarola .

O vapor que abarcava aquele pequeno ambiente , tão próprio aos banheiros, formou uma cortina que imitava as brisas dos filmes de Hollywood – o fog londrino – e que por instantes separava aquela menina de sua ainda tenra realidade . O seu mundo naqueles minutos desafiava as fronteiras daquele apertado vestíbulo, e a névoa artificial dava clima a uma sensação natural.

O vapor que disfarçava um mundo, construía um império de novos toques - de uns outros sentidos – um reino de emoções secretas , de amores que naquela solidão se faziam possíveis - eram leves, livres, absolutamente soltos na imensidão do cubículo. Enquanto a toalha convertida em vetor penetrante alisava, acariciava , e levava a um destino que ela nunca imaginara existir ; seria o êxtase ?

O vapor que em nada a incriminava , tornava-se o parceiro de uma longa caminhada, que contudo se encurtou quando se dispersou tão logo ela – em nervoso movimento - fechou o registro do chuveiro, porque uma mão impaciente, obediente a uma voz já conhecida batia forte à porta : - “Termine logo esse banho menina”!