Lembranças e cheiros ( Para minha avó)
Na minha meninice não tinha cidade grande,a concretude urbana era sonho distante.
Moleques encarapitados nos galhos das árvores, era realidade.
Sótão era esconderijo, território proibido,o mais desejado!Viver era divino, as peraltices, infindas.
Da cidade grande pouco sabia, tinha um mundo a descortinar entre bonecas de pano, panelinhas de barro, brincadeiras de roda e pipas no ar.
Era belo ver o tempo se arrastar, tão lento que até parecia não destino, sem nenhuma pressa, idade menino.
Por vezes aquele velho relógio era o nosso maior inimigo, as badaladas a lembrar que a brincadeira acabara. Tempo e coração aceleravam no mesmo ritmo e de repente, tão rápido, lá se iam todas as nossas chances de esticar a folia.
Na pressa de crescer eram tão lentos os ponteiros, cada dia infinito, cada instante inalcançável. Hoje percebo o quão veloz eles trabalharam e tento atrasar os ponteiros, sem sucesso!
Minha infância tinha cheiro de vida, de chuva no chão seco.O sertão adquiria cheiro de terra molhada, de mato, de gado no pasto.bendita chuva que chegava. A gurizada em festa tomava banho na calçada.Vida simples, cheira de sabedoria!
Neve... só conheciamos pelas mãos da minha avó, clara batida e doce feito seus carinhos, suspiros domingueiros saídos do forno.
Amor e alegria eram tempero que não faltava ao arroz e feijão de cada dia. Nata batida, bolo de fubá, tapioca branca, redonda feito lua cheia.
Pão com queijo, beijo na bocheca...Café cheirando na cozinha e sequilhos na assadeira.
Uma cadeira de balanço e o meu vô esperando a hora da Ave-Maria.
Um cachorrinho branco dormitando aos seus pés.
Na minha memória todas as lembranças têm cheiro.
Cheiro de vó.