[A Cadeira e a Estrada]

["O tempo é uma cadeira ao sol, e nada mais" — Carlos Drummond de Andrade, - Boitempo II.]

Como um escuro réptil deslizando no chão incendido,

vejo a Estrada serpeando o sobe-e-desce dos morros.

E eu, tonto... tonto de luz e sol, viageio sem trégua;

amarga-me na boca o fel da distância a percorrer!

Em fantásticas reverberações luminosas do ar seco,

tremulam, ao longe, fantasmagorias cambiantes;

sob o meu olhar, lutam cinzentos gafanhotos,

ou estralejam pilhas de gravetos secos.

No aceso infernal da fornalha desta hora,

o calor faz do Absurdo a matéria dos sentidos;

na Estrada, ao sol abrasador, estaca o Tempo:

contemplo a inesgotabilidade da Distância!

Ao lado da Estrada, há uma cadeira ao sol;

embranquecida, ela está voltada para a Estrada

a modo de ser um posto de observação,

um pousada do Tempo margeando a viagem.

O Tempo é uma trama dos sentidos emanados

das coisas à margem da minha Estrada;

surge aos meus olhos num jogo de presentificações

que brotam da observação de súbitas aparições;

Emerge da sequidão da paisagem castigada,

salta da brancura tétrica de ossos ao sol.

Na cadência letárgica das horas mortas do dia,

o Tempo ameaça com o insuportável:

irrompe de cicatrizes, reabre feridas antigas,

e zune a consciência atroz de mil-mortes passadas,

como se fora o zumbido de marimbondos ferozes,

tenazes habitantes de ruínas de antigas cidadelas.

O percorrer da Estrada fabrica a Distância

mas por si, não engendra o Tempo;

a cadeira abandonada, vazia do humano,

apenas manifesta um Tempo que não é o meu;

na vã busca do esquecimento da finitude,

na frustrada tentativa de afastar a angústia,

a vertiginosa roda da vida desatinada

apenas põe o Tempo em provisória fuga,

Pois, subitamente, síntese de perda e dor,

surge em mim o tempo de o Tempo ser:

vigiando a minha passagem pela Estrada,

há o espectro da cadeira vazia ao sol!

Então, meus olhos arrancam o Tempo das coisas;

do meu corpo extenuado da Estrada,

das faces enrugadas das gentes,

do absurdo vazio branco da cadeira ao sol!

Um travo na garganta, um arquejo profundo,

a fuga, um alívio — esta cadeira é de outro!

Este ainda não é o termo de minha viagem,

exulta a minha covardia: não vou me sentar agora!

Porém, uma certeza me corta: logo adiante,

quando as pernas me faltarem, à margem da Estrada,

estará a minha espera, absurdamente vazia e branca do sol,

a cadeira que, no engodo das horas, teimo em ignorar!

________________

[Penas do Desterro, 06 de janeiro de 2001]

[Excerto do meu “Caderno 3”]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 11/04/2009
Reeditado em 10/07/2012
Código do texto: T1533049
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.