Os lençóis da minha ingenuidade
Os lençóis da minha infância são o lugar de todos os instrumentos musicais no interior dos meus olhos. O lugar onde abria os braços e de manhã era feliz como um final de tarde juntamente ao meu pai. Feliz? Começo hoje a tê-lo sido; principiam hoje os derradeiros dias em que a terra se estende sem fim como os meus lençóis de madrugada encantados por uma música que se perde ao segurar-me como um barco sem mais escuridões ou apitos de um esquecimento formado a grande distância. Nenhum martírio cerrado, nenhum ser humano cansado caminha por entre as voltas cândidas dos meus lençóis sem nitidez como a minha lembrança. E à noite, também nenhuma palavra me resguarda como o firmamento, e nenhuma tarde perdida se esquece das flores no íntimo dos meus olhos descerrados ou dos meus sapatos tranquilos próximo à cama. Não sei, não sei, porventura os meus lençóis permaneçam ainda somente na minha imaginação como uma sucessão de ingenuidades dentro dos pianos descobertos nos olhos clareados pela infância dos meus lençóis.