Profundo
Nada a lamentar. Sonhei um deserto, real, um deserto ao nascer da noite. Onde estive. Imagens esculpidas num lugar de areia. Ontem, esperava um enlace de estrelas. Vinha-se pela estrada com os olhos fechados. Ficávamos em silêncio, trocando os dedos das sensações. Num intervalo, a pele de um lugar possível, um lugar possível. Tuas palavras lembram-me o resultado da solidão, as aves contornadas do horizonte. Nunca sabemos o que somos. Nunca sabemos de onde viemos. Nem as árvores, a melancolia. Quero dizer-te no ouvido do vácuo. Alamedas, brilham aqueles olhos como lâmpadas verticais, o assédio manifesto da solidão, repito.
Confunde-me. Troca os teus ombros, divide em mim as tuas artérias. Diz-me que o dia será imenso, o mar está próximo e a viagem dos navios seria o vento das velas. Nunca sabemos onde estamos, por que viemos escutar as sombras. Não estilhaces a memória, os fragmentos espelhares da vida, sobre a varanda do real crescem bosques pelos edifícios iluminados. O que fizemos destes lagos que nos assaltam. Penso para não pensar, tinha toda a paisagem na respiração. O frio na garganta me lembra de mim. Os hotéis num postal das cidades, a ilusão valada de quem adormece sob a felicidade inexplicável.
Nada a lamentar. Confundo-me. Pode-se reunir a vida num álbum. Folheio vidros ou vultos, as mãos profundas ou os lábios que foram asas pelos jardins da alegria. Ou. E. Narro. Sob a luz. Ouço o mar, os terraços por onde entra o mar, o corpo ao fim do dia numa hora eterna. Folheio os fios do instante. Correspondo-me com o futuro numa estranha troca de mensagens. Sem mágoa, sem curiosidade, sem silogismos de conclusões definitivas. Palavras de ocasião, talvez o futuro se dobre na intimidade de uma esquina. Como naquela penúltima manhã de uma viagem sem
regresso. Talvez, agora, outro mar narre aquele dia imenso - de ontem.