Iluminação

Há nas marginais do anoitecer sombras. A beleza das sombras. A sombra nas árvores da marginal, assim a noite. Os jardins que vivi, do lado de dentro ainda cresce o verde das árvores. Possivelmente, as imagens se cruzam em outras imagens e desenham um fundo nos espelhos da memória. Escolho palavras – ou o seu contorno – para dizer esta névoa flutuando no ar, a névoa que nos esconde o rosto do destino. Um diário que se escreve à luz com a sede dos lábios e cada intervalo desenha a moldura de outro dia. Como. Agora. Se dirá amanhã que o mar nos olha, se dirá que o mar existe pelo interior das pálpebras. Se dirá as veias do limite, as tuas árvores no jardim onde adormeces. Vais pela aurora onírica, talvez o corpo febril, adornar a felicidade com o ardor na pele. Há nas marginais desse lugar uma iluminação de sombras.

A minha memória. A memória é um espaço de invenção, um vértice para inscrever o futuro. Como. Agora. Lembro-me do que não vivi, uma praia e um vestido ao vento, um vestido branco, os cabelos dobrados ao vento, a tremura das lâmpadas para se despedir o poente, aves como traços longínquos no areal. As frases que nunca dissemos e todas as horas possíveis com os dedos unidos do destino. Ao anoitecer, o silêncio dos bosques me interroga sobre a realidade. Um breve olhar para cumprir o olhar, a existência desenhada nos vidros límpidos de uma história contada em fascículos. Interpretar cada momento numa verdade que se escapa pelo seu labirinto. Ainda. Lembro-me do que não vivi. O mar rondando o quarto sob os astros, o corpo ou os corpos estendidos na brevidade simultânea de uma iluminação de sombras.