UM UNIVERSO PERMEADO DE MUDANÇAS
Portões doirados receberam-no encantado
Com lindas mulheres tocando-lhe em afagos
Era todo sorrisos, e naturalmente estava entregue...
Aguardava o que mais poderia lhe acontecer
Pois se a entrada já se mostrava daquela maneira
Imagine só os próximos e surpreendentes desenlaces
Foi então que o que era bom pôs-se a melhorar...
Não é que detrás de aveludadas cortinas vermelhas
Apresentaram-se dançarinas nuas, a rodopiar?
Insinuantes, se aproximavam, quase a lhe beijar...
Praticamente ao mesmo tempo
Adentraram ao salão, garrafas e bandejas
De todo tipo de bebidas e iguarias, do mundo inteiro,
Num regalo primoroso, um desfile de delícias...
Mas que cenário! Nem em seus mais auspiciosos sonhos
Poderia construir tal realidade, com tamanha riqueza de detalhes...
Eis que ouviu uma voz insinuante, embora grave
Vinda de não sei onde, do chão quem sabe, que pronuncia:
“Bem vindo infiel camarada ao teu inferno pessoal!
E onde mais pensas que estarias? No paraíso? No céu?
Para que? E o que viste até agora não é bem mesmo o que querias?
Pois daqui sou o demônio primordial, o único e verdadeiro...
Não é que resolvi atender-te pós-morte todos teus desejos?
Tudo que sonhaste na Terra sem os devidos freios, terás aqui
De forma exagerada, repetitiva, contínua e eterna...
Mas, lembres-te, pois tais são as regras que narro a seguir:
Quando te enjoares (ah, e tu irás enjoar) de tudo o que ofereço
E quiseres seguir em frente para saciares outros e novos desejos,
Até vontades menos intensas, mais simples, menos densas
Quando triste, pelo interminável decorrer dos intermináveis dias
Tu lembrares dos amigos, da amada, do cachorro, da família
Terás a contentar-te apenas estas mulheres lindas e vazias
Esculturadas por teus devaneios em teus sonhados bacanais...
E por aqui, e cá mesmo, em meio à toda esta balbúrdia
Eis que tristemente entenderás
Que tiveste uma prisão eternamente decretada
Pelos anseios descontrolados de teu próprio coração...
Sei que, por hora, tu achas tudo bom... Estás a esbaldar-te
E apenas refletes sobre o quanto este diabo é louco e bom
E o quanto estas disciplinas em nada te atrapalham
O que achas que em ti é vontade duradoura...
Pobre e ignorante pedaço de carne!
Tu nem imaginas o que é a repetição afora pela eternidade!
Estarás a suportar os mesmos corpos, as mesmas comidas e bebidas
Estas eternas cortinas vermelhas, estas moças a dançar, dançar...
Não entendes que teu único querer eterno é a necessidade de te modificar!
Compreenderás pela dor que, como veio, da forma como és
Jamais poderás alterar coisa alguma neste universo permeado de mudanças!”