[A Vida como Destino]
Quando nasci — que espanto — nasci;
e quando tive asas, olhei o azul do céu,
pensei cá comigo: que fazer desse fato?
Logo, vi-me invadido pelo nada: nasci...
Ah, então é assim... eis me no mundo!
Tudo que eu queria era voar no amanhecer,
gritar para os ermos esta notícia: eu nasci!
Nasci... Era o primeiro dia do inverno,
secura, secura — mas a aguinha fria brotada
pouco acima da minha casa-beira-chão
persistia: corria frouxa, estertorando-se
ao longo do diminuto rego-d’água sumido
entre as folhagens e as ervas do campo;
destino da água, destino também meu —
um fugir, aflito, aflito da secura dos ermos!
Nasci... Instilaram-me as primeiras letras,
tornei-me vítima das historias que li;
assim, mesmo sem ter o poder de soprar
a vida nas narinas das figuras de barro,
eu não desistia de fabricá-las; afinal,
pensava, se ele pode, por que não eu?!
Nasci... de pronto, descobri que sou ingênuo,
pois eu me demoro em compreender as coisas,
e assim, quando chego, os outros já se foram,
e nem mesmo se dão conta do que perderam!
Mas o meu atraso não pode me incomodar,
porque, afinal, eu estou no mundo ainda,
nada posso fazer se tenho a vida como Destino!
Sendo um ser inacabado, eu descompreendo:
por que me odeiam pelo que eu "era", e já não sou?
Tudo tanto faz... e tudo, ajuntado deste poema, deve restar inacabado,
deve vos proporcionar o incômodo de não ter fim...
Um dia eu volto a minha casa-beira-chão, definitivamente!
[Como sempre, eu não disse nada...]
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[Penas do Desterro, 20 de março de 2009]