Só porque ...

...E tudo porque eu queria essas mãos quentes em minha pele. Deslizando em brasa sobre a seda de minúsculos poros expectantes. Só porque eu queria sentir-me enovelada na irradiação dos músculos provocando sutis ondas de arrepio. Maremotos internos, ventanias.

Só porque eu queria a consistência do abraço, o sussurro atrevido.

A salvação dessa sede, a cura milagrosa dessa aridez sistemática.

Num leve gemido...

E também porque eu queria o irromper irrefletido dos beijos, a imprevisibilade dos gestos, a perfeita umidade das línguas. Aquela busca ansiosa da luz que ofuscaria meus olhos fechados. Sim. Porque os olhos precisam estar cerrados para que os lábios se toquem e se reconheçam. E abram-se como conchas nacaradas. Estremeçam-se, mergulhem-se.

Premissa básica, essa.

É absolutamente necessário entorpecer um sentido para que os demais atuem intensos. Para que cada movimento seja resultado da perfeita mecânica celestial dos desejos que brilham na obscuridade da alma, nos meandros cutâneos, nas sinapses aleatórias do prazer...

Só porque eu queria perceber-me envolta na vertigem sem parâmetros magnéticos ou cardeais, flutuando imarcescível na indecifrável imensidade do meu eu-liquefeito e atemporal. E assim, desnorteada, encontrar-me em inefável plenitude.

Só porque eu queria dizer " morda meus lábios " nos instantes de respiro. Morda sim, assim : com doçura, mas firmemente. Só para cravar na boca a iconografia do beijo. Corromper-lhe a transitoriedade, perpetuando-lhe a sensação nessa memória de tecido róseo-escaldante.

Só porque eu queria acordar na manhã seguinte com aquela sensação deliciosa de quase morte. Vibrando !

E sorrir-me viva diante de mim ...

Claudia Gadini

29.04.06