O mar, a chuva, a vida...

     O mar hoje está feio e sombrio, mas, ainda assim, gosto de olhar e sentir sua força. Feio porque a chuva do dia inteiro o fez cinza chumbo e marrom, em alguns lugares e apesar de, em nada lembrar a beleza de um dia de sol, adorei vê-lo revolto, bravio, empenhado em assustar os passantes.
     Olhei-o demoradamente por entre os pingos, aspirei o cheiro cortante da maresia e pensei no quanto eu, menina criada às portas do sertão, gosto e me sinto feliz com a visão dessa imensidão, dessa certeza do insondável em nossas vidas.
     Imagino quantos segredos guarda esse mar... quantas histórias, quantas vidas, quantas lágrimas, quantos amores, quantas alegrias, quantas dores...
     Pensei nas partidas, nas chegadas, nas rotas determinadas, nas incertas, nas tormentas, nas calmarias, nas pescarias...
     Pensamento à deriva, penso que o amor é como o mar: imprevisível... e que bom que é assim! Ainda bem que posso ainda, neste arremedo de prosa, pedir licença a Pessoa e dizer:
“Valeu à pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”*
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“Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna, E em mim, num mar que
não tem tempo ou 'spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna. “*

- Ah! Como não amar o mar?


*Fragmentos de ”Mar Português”e de “A Última Nau” , de Fernando Pessoa.

Maceió, águas de março fechando o verão...